quinta-feira, 8 de abril de 2010

A Sombra dos Homens


Título A Sombra dos Homens A Saga de Tajarê: Livro I
Autor: Roberto de Souza Causo
Editora: Devir
Páginas: 120
Ano: 2004

O índio Tajarê, um herói de seu povo, vê estranhos, vindos de Muita Água, entrarem em seu território. Orientado por Anhangá, Tajarê rapta uma mulher de pele muito clara que parece ser a líder da expedição, Slaja. Slaja, tem uma missão; libertar o seu deus, Loki, há muito aprisionado, para que dê início ao Ragnarok, a batalha final entre os deuses nórdicos. A junção destas duas forças, ora em conflito, ora em harmonia dará início a uma saga de aventuras, onde não faltarão monstros mitológicos, seres mágicos, poder da espada e poder da magia, num confronto de forças que transcende os destinos de Tajarê e Slaja. 

Roberto Causo tem um propósito bem definido ao escrever este romance. Ela pretendia à época da primeira aparição de parte deste romance nas páginas da revista Dragão Brasil, em 1995 dar início a um movimento que ele mesmo chamou de "Borduna & Feitiçaria". 

Numa brilhante introdução de Bráulio Tavares (que recomendo a leitura após terem lido o romance, se não gostarem de spoilers), temos uma idéia do que seria este movimento. Causo vê, com razão, que os temas de fantasia medieval falam tanto aos ouvidos do brasileiro como uma guerra em outra galáxia (talvez até menos, haja visto o sucesso de Guerra nas Estrelas na Terra Brasilis). Ou seja gostamos e curtimos, mas quase não encontra eco na nossa mitologia cultural. Somos um povo sem mitos? Causo acredita que não e tenta mexer com eles resgatando três vertentes mitológicas que aterraram nesta Terras de Santa Cruz: a Indígena, representado pelo protagonista Tajarê, que transcende seu antecessor Peri, pois não é o índio idealizado pelos europeus, e também seu antecessor Macunaíma, pois Tajarê tem caráter, um caráter que o aproxima de outros heróis míticos; a européia dos chamados povos do norte (os vikings), resgatando uma referencia a vinda destes povos no norte do país (as carrancas dos barcos do rios São Francisco seriam uma herança desta passagem), representada pela determinada Slaja, que só vacila diante do ora amado, ora inimigo, Tajarê; e a européia dos povos celtas, representada pelas Amazonas, ou Icamiabas (mulheres-sem-homens), originadas da extinta Atlântida, antagonistas poderosas, que foram perdendo sua magia ao longo tempo.

Causo navega ao longo do romance com um estilo que lembra uma mistura de narrativa seiscentista (tipo "Carta de Caminha") com narrativas indígenas. Isso é feito de forma natural, que rapidamente elimina o estranhamento inicial, fazendo a leitura fluir muito bem.
A história tem dimensões épicas e os dois principais personagens estão muito bem caracterizados tanto como membros típicos de seus povos, como no seu parcial aculturamento, representado no caso de Tajarê quando se apropria da espada de um guerreiro viking, no caso de Slaja (um aculturamento muito mais forte) representado pelo seu filho Niadorã, que teve com Tajarê, que quase a faz esquecer de sua missão.

Há o confronto das culturas também, representado de várias formas, como batalhas mesmo: a batalha entre Tajarê e o grupo de vikings que veio em defesa de Slaja, batalha entre Tajarê e a aldeia das Icamiabas, ou como embates de criaturas sendo a mais dramática a luta entre Mboitatá e o Kraken, ou, ainda, embates pessoais como entre a líder das Icamiabas e Slaja, desejosa de roubar de Slaja o segredo de transformar-se em ave.

Vale ainda destacar a capa de Lourenço Mutarelli, que consegue captar muito bem todos este contrates, retratando a cena mis dramática da história.

Todas estas qualidades contudo me fazem perguntar: o que houve com o movimento Borduna & Feitiçaria?

Será que os possíveis leitores de sagas deste tipo ficaram traumatizados com José de Alencar e Mario de Andrade ao lerem obrigados "O Guarani" e "Macunaíma"?

Será que a dominação cultural americana e européia nos fez esquecer de nossos próprios mitos?

Será que só o Causo levantou a voz e a espada (digo, borduna) para defender este ideal?

Ler esse livro (excelente) me fez lembrar algumas coisas. A primeira é o caso da Turma do Pererê, do Ziraldo. Escrita nos anos 60, com preocupações de resgatar valores culturais brasileiros, com personagens e histórias bem feitas, também não decolou. Já o Menino Maluquinho, do mesmo Ziraldo, teve uma repercussão bem maior.

Pode-se pensar em marketing mais agressivo ou momento de mercado ou inibição provocada pela censura. Porém não creio ser este o caso. O Menino Maluquinho é um personagem urbano, bem característicos de uma cidade como São Paulo e fala mais alto que um saci para crianças que crescem na cidade.

No caso de Tajarê, embora tenha gostado do livro e esteja ansioso para ler o livro II, (que espero que Causo se anime em publicar), ele ainda me parece distante. Talvez o mito de um herói do tamanho de Tajarê tenha morrido com a chegada das caravelas e dos "descobridores", que estavam pouco interessados na cultura de um povo que, querendo ou não, acabaram por destruir.

Um resgate de uma raiz não é coisa fácil. Talvez por isso George Lucas tenha recriado toda a mitologia arthuriana, fundindo-a com várias outras e a colocou numa galáxia distante, há muito tempo atrás (talvez no tempo de "era uma vez...").

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