O que faz um bom escritor de FC? Muitas coisas, mas a maioria dos que aconselham um autor iniciante é que boa parte do trabalho é transpiração, causada por uma exaustiva pesquisa do tema que o autor pretende tratar, sobretudo se optar pela vertente hard.
Recentemente, ao ler o livro Pelos olhos de Maisie, me veio à mente uma comparação, e resolvi explorá-la.
O romance em questão, foi escrito em 1897, por Henry James, irmão do psicólogo americano William James, e trata das relações interpessoais entre um casal de divorciados e, posteriormente os novos cônjuges, e a filha do casal, Maisie. A menina tem por volta de seis anos quando ocorre a separação. A guarda da criança é dada inicialmente ao pai. Depois, por um problema econômico, o pai foi obrigado a dividir a guarda com a mãe. A partir de então, Maisie deveria ficar seis meses com o pai, depois seis meses com a mãe. Este arranjo assemelha-se ao que hoje se poderia definir como "guarda alternada”.
Entretanto, intenção tanto do pai como da mãe era usar a menina para se atacarem mutuamente. Não há cônjuge amoroso, nem participação ativa da criança, que apenas se defende, inicialmente tentando participar do jogo de leva e trás e, posteriormente, mecanismos de defesa para evitar participar dele.
Podemos pensar em Pelos olhos de Maisie como um estudo de caso onde o autor, usando sua imaginação e sua observações para criar um ambiente propício para um “experimento” de ordem psicológica. Apesar de adotar com maestria o ponto de vista de uma criança, Maisie é uma menina idealizada, pois passa pela experiência aparentemente sem traumas, apesar de não sabermos em que adulto ela se tornou. O forte do livro está na descrição de todos os mecanismos de intriga usados pelos adultos através de uma criança, bem com o dos mecanismos de defesa montados por ela para superar a situação, isto tudo contado quase que exclusivamente no ponto de vista dela.
O livro foi escrito dentro de um período literário, o Realismo, e de um conceito, o Romance Experimental, por um escritor de importância para o período, Henry James. O Realismo enquanto escola literária busca em oposição ao Romantismo mostrar o cotidiano e a realidade sem idealizações ou maniqueísmos. O Romance Experimental, criado por Emile Zolà, pretende transformar a obra literária num experimento, onde os personagens estão num ambiente sob controle do autor. No romance experimental pretendia-se criar um ambiente ficcional onde o autor poderia experimentar sua tese, baseado nos conceitos da sociologia, genética e psicologia. Quando isto é levado a extremos, recebe o nome de Naturalismo.
Os autores realistas e naturalistas buscavam criar suas obras dentro de princípios científicos rígidos, fazendo pesquisas exaustivas na literatura científica e observando os personagens e ambientes que dariam vida ao romance que estavam escrevendo. Por exemplo, se a questão a ser vista era prostituição, o autor iria visitar um ou vários prostíbulos e entrevistaria freqüentadores, prostitutas, policiais e outras pessoas presentes neste meio.
O que faz hoje um escritor de FC hard? Se for competente, a mesma coisa! A única diferença são as ciências envolvidas, mas a filosofia norteadora é a mesma. Num bom romance de FC, o autor também cria um laboratório virtual onde um fenômeno afetará um grupo de personagens “em condições controladas”, como teorizou Zolà.
Não é por acaso que a FC tenha surgido no final do século XIX, já que a literatura da época refletia as profundas transformações econômicas, políticas, sociais e culturais que estavam correndo, causadas, sobretudo, pela Revolução Industrial, os avanços na ciência e tecnologia, não só as Quimica e Física, mas também a Biologia (com o Darwinismo), as recém criadas Sociologia e Psicologia e o surgimento de forma polêmica da Psicanálise, que começou a mexer com tabus sexuais.
Na economia temos o crescimento do capitalismo que cria complexos industriais. E este crescimento faz com que classe operária urbana cresça, surgindo o conceito de “proletariado” e trazendo à tona ideologias socialistas, culminado com Marx, que revoluciona a teoria econômica.
Esta efervescência social e cultural fez com que os escritores buscassem outra forma de fazer sua arte. Segundo Paulo Cesar Alves, em seu artigo Narrativas Antropológicas e Literatura:
O movimento realista-naturalista tem algumas características marcantes. Como observou Zola (O romance experimental, 1880), é “a fórmula da ciência moderna aplicada à literatura”.(...) Essa ânsia da verdade aproximou a literatura ao campo da ciência. O intelectual da “belle époque”, em sintonia com a época, caracterizou-se pela sua exaltação a ciência e a moderna tecnologia, havendo um grande interesse e devoção pelas coisas materiais. Os romances ressaltavam as bases físicas do pensamento e da conduta humana. A biologia e a psicologia foram as ciências que exerceram profundas influências na nossa elite intelectual. O darwinismo e a idéia de evolução tornaram-se quase que uma religião para eles.
Henry James (1843-1916), é um importante escritor de origem americana deste período. Sua posição em relação à literatura é expressa na seguinte frase: “A única razão para a existência de um romance é a de que ele tente de fato representar a vida.” Portanto, segundo ele próprio, Henry James está inserido no contexto da escola realista de literatura, num estilo chamado de Romance Experimental, criado por Emile Zolà.
No Brasil, este período é bastante fértil, tendo nada menos que Machado de Assis, como o escritor mais representativo do período.
Machado de Assis tem sido alvo de alguns livros de ficção alternativa, o que de certa forma o coloca em evidência fora do círculo dos estudantes de vestibular. Embora não tivesse feito um romance experimental, Machado de Assis é considerado um expert da alma humana e pode-se dizer que escreve romances de natureza fortemente psicológica, sobretudo Dom Casmurro. Uma das forma de analisá-lo é ver a evolução do personagem. Primeiro, é o ingênuo Bentinho. Depois, se transforma em Bento Santiago, cujo segundo nome pode ser decomposto em Sant-Iago (Iago, o personagem que leva Otelo ao crime), o homem corroído pelo ciúme. Termina como Dom Casmurro o homem amargo que vive sob torturante dúvida.
Se ele vivesse hoje, talvez escrevesse FC. Ele levava jeito pra coisa.
Filmes, livros, notícias, artigos sobre fantasia, horror, ficção científica e alguma poesia.
quarta-feira, 22 de dezembro de 2010
sábado, 18 de dezembro de 2010
História da Ciência número 2
História da Ciência número 2
Edição especial da Revista de História
Biblioteca Nacional
Acabou de chegar às bancas o segundo volume de História da Ciência, da Biblioteca Nacional, tendo como tema central Ao Universo e além!
O número 1 já comentado aqui trouxe informações muito importantes sobre a ciência brasileira do passado, sendo uma fonte importante de pesquisa para aqueles que pretendem escrever ficção científica, fantasia ou história de época situada no Brasil em algum lugar do seu passado, presente ou futuro.
O volume 2 continua a explorar estes temas. O interesse passa desde a pré história até pesquisa recentes. Um dos artigos, A caminho do cérebro eletrônico, nos coloca diante de pesquisas de um brasileiro, Miguel Nicodelis, sobre a interação entre cérebro e máquina, que organizou em 2008 uma experiência onde os impulsos elétricos do cérebro de um macaco nos EUA controlava um robô no Japão.
O artigo O Eclipse de Sobral fala sobre as pesquisas realizadas, em Sobral, no interior do Ceará, durante um eclipse em 1919, visando a comprovação da teoria da relatividade.
Indo para um outro período, os séculos XV-XVI, a matéria Saber navegar é preciso nos mostra muito sobre a arte e técnica da navegação Ibérica. Outra que abrange o mesmo período é Uma nau lava a outra, sobre a cartografia de ibéricos e franceses.
Nas páginas centrais, mais uma linha do tempo, abrangendo do século XVIII ao XXI os seguintes temas: doenças e vacinas, energia, educação e divulgação científica, inovações tecnológicas, inttuições e comunidade científicas.
Já Os Primeiros Drawinistas, mostra que as primeiras comprovações da teoria da evolução foram achadas no Brasil, não durante a primeira expedição do cientista ao Brasil, mas em 1862, pelas mãos do naturalista inglês Henry Walter Bates, que percorreu os rios Negro e Amazonas, durante doze anos.
Cesar Lattes, o controvertido físico brasileiro, é o tema da reportagem Dos raios cósmicos para o samba, que conta como este brilhante cientista se valeu de sua influência no meio científico internacional para divulgar a ciência brasileira.
Em Visonários da Eletrônica, o artigo fala de dois brasileiros, o padre Landell de Moura e Luiza Moreria, que, cada um à sua maneira, foram precursores da pesquisa sobre eletrônica no Brasil.
Há ainda muitas outras matérias de interesse para nós que desejamos ser escritores de fantasia e ficção científica.
Edição especial da Revista de História
Biblioteca Nacional
Acabou de chegar às bancas o segundo volume de História da Ciência, da Biblioteca Nacional, tendo como tema central Ao Universo e além!
O número 1 já comentado aqui trouxe informações muito importantes sobre a ciência brasileira do passado, sendo uma fonte importante de pesquisa para aqueles que pretendem escrever ficção científica, fantasia ou história de época situada no Brasil em algum lugar do seu passado, presente ou futuro.
O volume 2 continua a explorar estes temas. O interesse passa desde a pré história até pesquisa recentes. Um dos artigos, A caminho do cérebro eletrônico, nos coloca diante de pesquisas de um brasileiro, Miguel Nicodelis, sobre a interação entre cérebro e máquina, que organizou em 2008 uma experiência onde os impulsos elétricos do cérebro de um macaco nos EUA controlava um robô no Japão.
O artigo O Eclipse de Sobral fala sobre as pesquisas realizadas, em Sobral, no interior do Ceará, durante um eclipse em 1919, visando a comprovação da teoria da relatividade.
Indo para um outro período, os séculos XV-XVI, a matéria Saber navegar é preciso nos mostra muito sobre a arte e técnica da navegação Ibérica. Outra que abrange o mesmo período é Uma nau lava a outra, sobre a cartografia de ibéricos e franceses.
Nas páginas centrais, mais uma linha do tempo, abrangendo do século XVIII ao XXI os seguintes temas: doenças e vacinas, energia, educação e divulgação científica, inovações tecnológicas, inttuições e comunidade científicas.
Já Os Primeiros Drawinistas, mostra que as primeiras comprovações da teoria da evolução foram achadas no Brasil, não durante a primeira expedição do cientista ao Brasil, mas em 1862, pelas mãos do naturalista inglês Henry Walter Bates, que percorreu os rios Negro e Amazonas, durante doze anos.
Cesar Lattes, o controvertido físico brasileiro, é o tema da reportagem Dos raios cósmicos para o samba, que conta como este brilhante cientista se valeu de sua influência no meio científico internacional para divulgar a ciência brasileira.
Em Visonários da Eletrônica, o artigo fala de dois brasileiros, o padre Landell de Moura e Luiza Moreria, que, cada um à sua maneira, foram precursores da pesquisa sobre eletrônica no Brasil.
Há ainda muitas outras matérias de interesse para nós que desejamos ser escritores de fantasia e ficção científica.
domingo, 12 de dezembro de 2010
Tron: O Legado
Tron: O Legado
Direção: Joseph Kosinski
Roteiro: Adam Horowitz e Edward Kitsis
Elenco: Jeff Bridges, Garrett Hedlund, Bruce Boxleitner, Olivia Wilde, Michael Sheen, James Frain
Música: Daft Punk
Direção de Arte: Claudio Miranda
Lançamento previsto: 17 de dezembro de 2010
Sinopse: Kevin Flynn, principal executivo de uma empresa de software, obcecado por querer dar a vida a seres de um universo virtual, desaparece misteriosamente. 20 anos depois, seu filho,Sam, imaturo, em vez de assumir os negócios, faz intervenções marginais e espetaculares, tentando resgatar a imagem do pai diante de uma diretoria ganaciosa. Tudo muda quando um amigo de Kevin recebe um bip num aparelho desativado desde o desaparecimento do executivo.
Na tentativa de resgatar Kevin, Sam vai ao escritório abandonado do pai e, ao acionar um computador antigo é levado a um mundo virtual, a Grade, o mesmo mostrado no primeiro filme de TRON.
Os roteiristas e o de diretor de TRON, o Legado tinham a responsabilidade de criar algo à altura do primeiro filme TRON, de 1982, que apesar do roteiro simples, foi revolucionário ao criar um mundo virtual, conceitualmente e como efeito especial e o uso massivo de computação gráfica, na construção dos cenários, veículos e roupas dos personagens.
Esperar algo revolucionário de novo numa sequência seria esperar demais, mas o risco de produzir algo sofrível era muito grande. A direção se preocupou em manter a forma original do cenário, das roupas e veículos, incrementando-os com mais detalhes e mobilidade, sem que o fãs do filme original e os que o desconheciam se decepcionassem. Foi mantido também o humor em cima do jargão técnico na medida certa, de forma a não aborrecer os que os desconheciam.
A trilha sonora do Daft Punk está primorosa, bem como os efeitos sonoros. O roteiro, um pouquinho mais denso que o primeiro filme, mas sem ser filosófico demais, garante um a boa diversão. Há também referencias a outros filmes, como Matrix (que é posterior ao TRON original), Guerra nas Estrelas (com a piada – estragada pelo trailler – “eu não sou seu pai”) e o Mágico de Oz, e ao fime TRON original, colocando alguns detalhes, como Bit, como um objeto de decoração (como se nos dissessem: “nós não esquecemos, viu!?”)
O que decepciona um pouco, sem comprometer a qualidade geral, é o uso da tecnologia 3D. Com tantos objetos virtuais, poderiam ter ousado um pouco mais.
No enredo merecem destaque o uso de conceitos de IA para explicar determinados comportamentos das entidades virtuais em oposição aos seres humano, sobretudo no final e o desenvolvimento de “vida” virtual paralela a partir de código espúrio (os ISO).
Curiosidades Nerd:
No filme, TRON é o nome de um personagem que representa uma rotina de ajuda ao usuário. O termo é uma abreviatura de TRACE ON, uma instrução do BASIC (linguagem de computação popular nos anos 80) e permite ao programador acompanhar o que está acontecendo a cada instrução que executada, mostrando seu resultado em tela, em forma de texto.
As referencias ao Mágico de Oz são várias, porém os roteiristas tentaram deixar mais marcado colocando o mundo real em 2D e o virtual em 3D (como no filme com Jud Garland: preto e branco versus colorido).
Há referencia também ao jogo de Go, originário da China, que é jogado sobre uma grade, colocando-se as pedras nos pontos de junção entre duas linhas. Kevin luta contra o vilão como se estivesse jogando Go (há um tabuleiro em sua sala), usando a estratégia de esperar o movimento do adversário, colocando-se indefinidamente em defesa. Isso normalmente irrita o adversário e o faz se precipitar.
Direção: Joseph Kosinski
Roteiro: Adam Horowitz e Edward Kitsis
Elenco: Jeff Bridges, Garrett Hedlund, Bruce Boxleitner, Olivia Wilde, Michael Sheen, James Frain
Música: Daft Punk
Direção de Arte: Claudio Miranda
Lançamento previsto: 17 de dezembro de 2010
Sinopse: Kevin Flynn, principal executivo de uma empresa de software, obcecado por querer dar a vida a seres de um universo virtual, desaparece misteriosamente. 20 anos depois, seu filho,Sam, imaturo, em vez de assumir os negócios, faz intervenções marginais e espetaculares, tentando resgatar a imagem do pai diante de uma diretoria ganaciosa. Tudo muda quando um amigo de Kevin recebe um bip num aparelho desativado desde o desaparecimento do executivo.
Na tentativa de resgatar Kevin, Sam vai ao escritório abandonado do pai e, ao acionar um computador antigo é levado a um mundo virtual, a Grade, o mesmo mostrado no primeiro filme de TRON.
Os roteiristas e o de diretor de TRON, o Legado tinham a responsabilidade de criar algo à altura do primeiro filme TRON, de 1982, que apesar do roteiro simples, foi revolucionário ao criar um mundo virtual, conceitualmente e como efeito especial e o uso massivo de computação gráfica, na construção dos cenários, veículos e roupas dos personagens.
Esperar algo revolucionário de novo numa sequência seria esperar demais, mas o risco de produzir algo sofrível era muito grande. A direção se preocupou em manter a forma original do cenário, das roupas e veículos, incrementando-os com mais detalhes e mobilidade, sem que o fãs do filme original e os que o desconheciam se decepcionassem. Foi mantido também o humor em cima do jargão técnico na medida certa, de forma a não aborrecer os que os desconheciam.
A trilha sonora do Daft Punk está primorosa, bem como os efeitos sonoros. O roteiro, um pouquinho mais denso que o primeiro filme, mas sem ser filosófico demais, garante um a boa diversão. Há também referencias a outros filmes, como Matrix (que é posterior ao TRON original), Guerra nas Estrelas (com a piada – estragada pelo trailler – “eu não sou seu pai”) e o Mágico de Oz, e ao fime TRON original, colocando alguns detalhes, como Bit, como um objeto de decoração (como se nos dissessem: “nós não esquecemos, viu!?”)
O que decepciona um pouco, sem comprometer a qualidade geral, é o uso da tecnologia 3D. Com tantos objetos virtuais, poderiam ter ousado um pouco mais.
No enredo merecem destaque o uso de conceitos de IA para explicar determinados comportamentos das entidades virtuais em oposição aos seres humano, sobretudo no final e o desenvolvimento de “vida” virtual paralela a partir de código espúrio (os ISO).
Curiosidades Nerd:
No filme, TRON é o nome de um personagem que representa uma rotina de ajuda ao usuário. O termo é uma abreviatura de TRACE ON, uma instrução do BASIC (linguagem de computação popular nos anos 80) e permite ao programador acompanhar o que está acontecendo a cada instrução que executada, mostrando seu resultado em tela, em forma de texto.
As referencias ao Mágico de Oz são várias, porém os roteiristas tentaram deixar mais marcado colocando o mundo real em 2D e o virtual em 3D (como no filme com Jud Garland: preto e branco versus colorido).
Há referencia também ao jogo de Go, originário da China, que é jogado sobre uma grade, colocando-se as pedras nos pontos de junção entre duas linhas. Kevin luta contra o vilão como se estivesse jogando Go (há um tabuleiro em sua sala), usando a estratégia de esperar o movimento do adversário, colocando-se indefinidamente em defesa. Isso normalmente irrita o adversário e o faz se precipitar.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Anjos, Mutantes e Dragões
Autor: Ivanir Calado
Editora: Devir – Coleção Pulsar
Ano: 2010
292 páginas
Sinopse: 15 contos de Ficção Científica (em sua maior parte) e Fantasia, escritos entre 1990 e 2000, agrupados em cinco sessões.
Ivanir Calado é considerado por vários críticos um dos melhores escritores de Ficção Científica brasileiros, e de fato ele é um excelente escritor.
Cada um dos contos revela uma faceta diferente deste autor. Começando por “Paradoxo de Narciso”, publicada no número 16 da Isaac Asimov brasileira. É uma das melhores histórias de viagens no tempo envolvendo o paradoxo do encontro consigo mesmo que eu li. É o que basta, do contrário daria um spoiler para os leitores que não a conhecem!
As três histórias seguintes foram publicadas na Coleção Fatos e Relatos da Ediouro em 1994. Na primeira deles, “Refém”, um menino de classe média é tomado como refém por dois menores marginais e para suportar a tensão imagina ser um herói espacial vitima de uma abdução por alienígenas. O tom é humorístico e o desfecho muito bem conduzido.
Tia Moira trata de um tema bastante familiar ao brasileiro: as telenovelas. A personagem que dá o título ao conto parece misturar a realidade à fantasia, chorando até a morte de personagens, mas será que a vida imita a arte ou arte imita a vida?
A terceira, para mim a melhor do grupo, está “Anjo”. Um homem recebe a visita de um anjo sempre que algo de ruim vai acontecer em sua vida, só que não entende a mensagem e mesmo que suspeite do conteúdo não consegue evitar o fato predito. O final surpreendente garante a qualidade da história, superando as expectativas do leitor.
O grupo seguinte, também uma encomenda da Ediouro, integravam uma coleção, Eles são sete, que agrupava contos baseados em um dos sete pecados capitais.
A secção abre com o conto “Operação Lobo”, um conto muitíssimo bem humorado sobre a Gula. Nele um espião inglês deve retirar um prisioneiro de uma prisão búlgara, usando comida como suborno. O espião e comparsas acabam comendo o que não deviam e quase põe a perder a operação. O sucesso é garantido por uma arma insuspeita. O desfecho deverá provocar boas risadas.
“Bobo” é o conto onde a Ira é o pecado-tema. Nele, em um planeta dominado por um regime totalitário, crianças de determinadas famílias são deformadas desde a mais tenra idade para se tornarem bobos da corte. A única vantagem em ser um bobo da corte era poder falar o que quisesse, pois seria interpretado pelos espectadores como uma piada. Mas um dia a piada foi levada a sério.
“O Dia do Dragão” é o conto associado à Preguiça. Um rapaz sonhador é escolhido para ser sacrificado ao Dragão por não ser produtivo. Seu inconformismo provocará uma mudança no comportamento da população.
“Kilumbo” é uma história contada por um idoso a seu bisneto sobre as origens de seu mundo. O orgulho está associado à dignidade recuperada de um povo antes escravo. O conto procura mudar a conotação da palavra orgulho alterando seu significado de arrogância para expressão de dignidade. Aliás a busca de um significado positivo aos chamados pecados é marca da maioria de seus contos neste bloco, como já vimos no conto relativo à Preguiça, ou da justificativa à Ira, no conto “Bobo”. Isso voltará a acontecer no conto “Avthar”, o último do grupo.
“Não é por Inveja” conta história de alguém que não tolera ser o segundo numa relação de amizade, sentindo-se usado pelo ego mais forte. Um bom conto, onde o dialogo interior e o ponto de vista apenas do narrador-personagem (conto em primeira pessoa) nos conduz a uma expectativa de um final, aparentemente o único possível. Aparentemente.
“A Volta do Dragão”, dedicado à Avareza, é um conto situado no mesmo universo do conto “O Dia do Dragão”, só que separado por um longo período de tempo e contado pelo mesmo bisavô de “Kilumbo”, mostrando uma preocupação do autor em dar uma certa unidade a pelo menos um parcela dos contos deste bloco. Neste conto, um homem muito avarento decide se transformar num dragão para defender seus tesouros.
Fechando o grupo está "Avthar", associado à Luxuria, onde um menino nasce com poderes especiais, mas uma interpretação equivocada do conceito de pureza pelos monges guardiões da religião local condena este menino ao isolamento e o afasta da população que deveria ajudar.
O grupo seguinte é formado por duas histórias, mais voltadas à ficção histórica do que à fantasia ou ficção científica, publicadas por ocasião dos 500 anos do descobrimento na coleção “Aventuras no Tempo”, pela Editora Record.
O primeiro deles é “Foi assim (talvez)”, que especula sobre o fim do povo que vivia nos sambaquis (o povo que virou “talvez”). O segundo é a “Carta do filho da puta”, que explora um dos incidentes relatados por Caminha em sua carta, envolvendo dois grumetes que fugiram e se reuniram aos índios. A história é narrada por um deles, filho de uma prostituta que procura fugir de sua sina humilhante.
No último grupo estão dois contos, um, “Eleanor Rigby” para uma antologia patrocinada pelo CLFC (que infelizmente não saiu) com contos baseados em canções dos Beatles e outro que narra um história policial cyberpunk num Rio de Janeiro distópico, mas muito similar ao Rio de hoje.
“Eleanor Rigby” é baseado numa frase desta música dos Beatles: Wearing a face that she keeps in a jar by the door. Ivanir Calado imagina uma gueixa que troca seu rosto de tempos em tempos, mas sem nunca encarar sua face verdadeira. Para mim este é o melhor conto da coletânea, em primeiro lugar por perceber o potencial da frase para um conto de FC, em segundo, pelo traçado psicológico da personagem, muito bem estruturado e mostrado ao longo da narrativa de maneira sutil e poética, e pelo final, que, para muitos será uma surpresa. Uma belíssima homenagem a Lenon e McCartney.
Fechando o livro está o excelente policial cyberpunk, “O Altar de Nossos Corações”, que parece ter sido escrito por uma mistura do Capitão Nascimento com Bruce Sterling. O governador do estado é sequestrado pelo crime organizado, mas isso é apenas a ponta do iceberg de toda uma trama policial.
Em suma, um excelente livro de um excelente autor.
domingo, 24 de outubro de 2010
Hoje eu sou Alice
Hoje eu Sou Alice
Título original: Today, I´m Alice
Tradução: Andréa Gottlieb de Castro Neves
Autores: Alice Jamieson & Clifford Thurlow
Editora: Larousse
336 página
Sinopse: Alice Jamieson narra de forma emocionante a partir de suas lembranças fragmentadas, sua infância atormentada e o resultado disso: um Transtorno de Personalidade Dissociada, ou em termos não médicos, um caso de múltiplas personalidades.
Desde que Robert Louis Stevenson escreveu o Médico e o Monstro
e o mangá MPD Pysicho levou às últimas consequencias, a literatura tem registrado um sem número de histórias com esta temática, mas com o livro As Três Faces de Eva, de 1954, e Sybil, de 1973, de casos reais dramáticos foram levados à literatura e ao cinema.
O protótipo das personalidades
multiplas: O Médico e o Monstro
Tal é o caso de Hoje eu sou Alice. A diferença em relação às outras duas obras é que esta foi feita pela própria vítima do transtorno, o que redobra o interesse, tanto para o leigo, como para o profissional da área.
Outra diferença, é que o livro não é centrado no transtorno em si, mas nas suas causas e na evolução, tanto que as manifestações de personalidades de múltiplas só surgem mais ou menos na metade do romance. Antes, surgem alucinações auditivas e outros comportamentos, que também são sintomas de outros transtornos, como a esquizofrenia.
As três faces de Eva
Um dos primeiros casos reais levados ao Cinema
Narrado em primeira pessoa, o livro comove e choca principalmente com a narrativa em detalhes dos abusos sexuais violentos sofridos por Alice na sua infância, cometidos pelo seu próprio pai e por estranhos, com o consentimento dele. Também é dramática a descrição da violência perpetrada a si mesma em suas múltiplas tentativas de suicídio e do processo de hospitalização, que muitas vezes parece cruel, mesmo num sistema de saúde considerado um dos melhores do mundo (Inglaterra). Além destes problemas, Alice sofre com anorexia, abuso de álcool e drogas lícitas e ilícitas, incapacidade de se relacionar e outros problemas.
O livro coloca como um dado a ser verificado, mas plausível, que o Transtorno de Personalidade Dissociada é causado por um mecanismo de defesa criado por uma criança muito nova, face à violência perpetrada contra ela de maneira continuada. Ou seja, “quem está sofrendo a violência é outro, não eu.” Outro fator a alarmante, é que o livro aponta que possivelmente em quase 100% dos casos, a violência é de natureza sexual, perpetrada por alguém muito próximo da criança. Isso vai ao encontro da narrativa de Sibil, mas está apenas implícita em As três faces de Eva (talvez seus autores não estivessem propensos a levantar esta polêmica na época).
Sybil, um dos casos mais complexos de multiplas personalidades
Em suma, um excelente livro, que trata de um problema complexo e raro, sem se perder em detalhes técnicos, nem deixar de lado a dramaticidade dos acontecimentos ali narrados.
quinta-feira, 21 de outubro de 2010
História da Ciência número 1
História da Ciência número 1
Edição especial da Revista de História
Biblioteca Nacional
Um dos conselhos que mais ouvi quando escrevia tanto artigos de caráter técnico como literatura foi: pesquise sempre e muito sobre o assunto sobre o qual vai escrever.
Isso vale muito para a Ficção Científica, mesmo para a chamada soft. É claro que não preciso conhecer tudo sobre mecânica do motor de combustão interna para poder escrever um romance dieselpunk, mas pelo menos preciso conhecer o nome de algumas peças básicas e o contexto histórico que permitiu que o motor a explosão interna existisse (o motor a combustão interna poderia ter existido antes da descoberta do refino de petróleo? Alguém poderia ter pensado em usar álcool em vez de querosene, o que tornaria a invenção possível até para os gregos).
Na História Alternativa preciso conhecer os fatos históricos e suas consequencias que eu quero alterar e seguindo algumas leis sociológicas, tentar projetar um futuro (do pretérito, talvez) alternativo.
A edição especial História da Ciência, da Revista de História da Biblioteca Nacional é uma excelente fonte de pesquisa. Aliás, a Revista de História é básica para quem pretende escrever em qualquer gênero que envolva algum acontecimento histórico, em qualquer época.
No número 1 o tema é Ciência com jeito do Brasil, inovação e desafios desde a Colônia. Perfeito para quem quer escrever um conto com um olhar para o Brasil!
Uma rápida folheada nos revela algumas matérias de interesse, como “Laboratórios Emancipados”, sobre Oswaldo Cruz e seu papel de organizador e consolidador da ciência brasileira, da “Ouro Negro tupiniquim”, sobre o petróleo na obra de Monteiro Lobato, “Acervos produtivos”, sobre o papel dos museus na pesquisa científica, “Divulgar é preciso”, sobre a literatura de divulgação científica no Brasil (co-irmã da Ficção Científica) e “Projetando o progresso”, sobre o papel da engenharia no desenvolvimento tecnológico do país, entre outras.
Uma atenção especial à página central, que contém uma linha do tempo sobre o desenvolvimento de seis aspectos da História da Ciência e da Tecnologia do Brasil: Astronomia e Cartografia, Amazônia e Biodiversidade, Agricultura, Transportes, Mulheres e Pensamento Social, indo do século XVII aos dias de hoje.
Uma atenção especial à página central, que contém uma linha do tempo sobre o desenvolvimento de seis aspectos da História da Ciência e da Tecnologia do Brasil: Astronomia e Cartografia, Amazônia e Biodiversidade, Agricultura, Transportes, Mulheres e Pensamento Social, indo do século XVII aos dias de hoje.
Fechando a edição, uma lista comentada de livros que podem interessar ao candidato a escritor, com destaque para 1910 – o primeiro voo no Brasil,de Susana Alexandre e Salvador Nogueira, da editora Aleph, que mostra um aviador esquecido pela história: Dimitri Sensaud de Lavaud, que construiu o primeiro avião brasileiro (ou seja, construído no Brasil, com materiais e tecnologia brasileiros) e realizou um voo de sucesso.
segunda-feira, 11 de outubro de 2010
Portal 2001
Portal 2001
Autor: Nelson Oliveira (org.)
Editora: Edição dos autores (cooperada), através do projeto Portal
150 Páginas
Sinopse: De acordo como o próprio site, o Projeto Portal é uma revista de contos de ficção científica com periodicidade semestral, editada no sistema de cooperativa. A pequena tiragem — duzentos exemplares de cada número — será distribuída entre acadêmicos, jornalistas e formadores de opinião. Serão no total seis números (de papel e tinta, não online). Cada número da revista homenageia, no título, uma obra célebre do gênero: Portal Solaris, Portal Neuromancer, Portal Stalker, Portal Fundação, Portal 2001 e Portal Fahrenheit.
O livro (ou revista, se preferirem), reúne 17 autores, alguns bem conhecidos pelo Fandom e de um modo geral os textos são de boa qualidade,alguns excelentes, indicando o cuidado na seleção dos autores e contos. Se este cuidado tivesse sido um pouquinho maior, a edição seria quase perfeita.
Bráulio Tavares comparece com três contos:
“A República de Recursos Infinitos” faz mais que uma referência ao Processo de Kafka. Inclusive o nome do personagem é Youseph B. Sua narrativa concentra-se na excessiva segmentação do serviço público, na tentativa de controlar cada vez mais o cidadão, que por fim o isola do serviço que lhe deve ser prestado, devido ao emaranhado de departamentos e subdepartamentos. Desesperante, tanto para quem se identifica com o personagem perdido no labirinto de departamentos e secções, como para quem é servidor público, preso nas suas intermináveis tarefas sem um significado que lhe seja claro.
Em “Universos Tangenciais (improviso)”, um homem lê um jornal pela manhã e é transportado para diversos lugares. Um bem construído paralelo metafórico sobre as divagações que às vezes fazemos? Ou quem sabe a elaboração de uma teoria sobre os possíveis universos paralelos em que vivemos sem tomar consciência deles? Ou...
Em “Aquele de Nós (improviso)” uma entidade coletiva se preocupa com o destino de uma de suas partículas, que aparentemente tem a ilusão de ser um indivíduo.
Dos três contos o primeiro é de excepcional qualidade e os outros dois (que o autor indica no título como “improviso”) nos dão a impressão de que ele teve duas boas ideias e as anotou na forma de contos. As idéias são boas e os contos bem escritos, apesar de serem “improvisos”. Se é improviso, nos perguntamos: será que o autor vai desenvolvê-las mais tarde?
Roberto de Sousa Causo comparece com “Arribação Rubra”, uma boa mistura de FC com histórias de espionagem, com uma trama bem construída e as reviravoltas que os enredos de espionagem costumam ter. Um bom conto.
Mayrant Gallo no traz A Paz Forçada. Um conto com uma temática interessante: a narrativa navega entre dois pontos principais, as relações familiares e o casamento aparentemente aberto de um lado e as relações econômicas entre empresas e países, de outro. O conto trata destes assuntos com uma ironia mordaz e leva a narrativa a um final que surpreende o leitor. O problema do conto está em demorar para “pegar o leitor”, o seu começo é um tanto lento, como excessivas descrições de pormenores desinteressantes.
Claudio Parreira escreveu “Além do Espelho” que reconta, misturando humor e horror, a lenda de Orfeu e Eurídice, a partir de uma cena de bar. É um bom conto, mas onde está a ficção científica?
Delfin nos traz “Sentinela”, conto onde, num futuro próximo, seres humanos naturais e artificiais disputam o mesmo espaço. Delfin, para manter o suspense, revela aos poucos a trama e, para garantir um final surpresa, “enrola” o leitor o tempo todo, fazendo ele ora pensar uma coisa, ora outra, acerca dos personagens envolvidos. Isso é feito de maneira muito inteligente, garantindo o interesse da leitura.
Mustafá Ali Kanso, apresenta dois contos, bastante poéticos. O primeiro deles, “Herdeiro dos Ventos”, é uma metáfora muito bem construída sobre o amor aos livros e à imaginação. O segundo, “Uma Carta a Guinevere” um astronauta numa viagem einsteniana se despede de sua amada, agora inatingível, traçando um paralelo com o mito de Lancelot e Guinevere.
Brontops Baruq também escreveu dois contos. No primeiro, “Planetas Invisíveis: Diana”, os habitantes de um planeta vêem como solução de seus problemas a miniaturização de todos os seus habitantes. O segundo, “Rebobinados”, uma narrativa divertida sobre um criminoso lançado no espaço na companhia de um tarado que pode estuprá-lo a qualquer momento. O problema é que a viagem vai durar 1800 anos. O que torna a história interessante é a forma de narrá-la.
“Prometeu acorrentado reboot”, de Sid Castro, conta a história de um planeta envolto em escuridão que é visitado por uma nave que, inadvertidamente traz iluminação na faixa visível, num mundo onde as radiações estão em outra faixa do espectro. A luz é mal interpretada pelos seres que lá habitam, para glória e desgraça dos exploradores. Muito bem construído.
“Novo Início”, de Marcelo L. Bighetti, é conto que tem por base uma possível viagem no tempo efetuada pelos nazistas. Uma boa premissa, mal aproveitada. No conto há um salto de mais de 400 anos entre um ponto e outro da narrativa, deixando muita coisa para a imaginação do leitor. Se o autor trabalhar um pouco mais a idéia, poderemos ter até um excelente romance, mas como conto é apenas uma promessa não cumprida.
Rodrigo Novaes nos traz dois contos: “Contato Alpha 9” e “Zaratustra”. No primeiro deles seres alienígenas, aparentemente, utilizam-se de seres humanos para pesquisas, em busca de uma pedra especial, com resultados imprevisíveis. Por que “aparentemente”? Porque é o que eu pude deduzir da narrativa confusa. O que dizer? Apenas que não gostei. Em “Zaratustra”, a narrativa está bem mais legível, mas tem-se a impressão que se o autor dispusesse um pouco mais de tempo, teria composto um poema simbolista.
Maria Helena Nogueira nos traz nada menos que cinco contos: “Neve e sanduíche”, “A gruta de Venus”, “Eblon”, “Mãos de Borracha” e “Quem sabe?”.
Em “Neve e Sanduíche, seres humanos, diante de seu fim descobrem que podem se perpetuar enquanto espécie indo a um universo paralelo. Mas isto seria mesmo uma solução?
Em “A gruta de Venus”, um ser alienígena experimenta pela primeira vez um orgasmo genuíno. Teria valido a pena?
Em “Eblon”, uma humanidade futura tem todo o prazer que deseja em paraísos artificiais. A única coisa que se pede é que se chegue no horário marcado, do contrário uma punição terrível aguarda o incauto. Mas, e se o que se deseja é a punição?
Em Mãos de Borracha (uma referencia a Edward Mãos de Tesoura), um ser humanoíde programado para fazer massagens perde o controle e se perde o controle sobre suas mãos, que executam um programa invasor que dá prazer sexual ao massageado.
Em “Quem sabe?” nos mostra um mundo onde as pessoas resolviam seus conflitos no mundo virtual. Tudo bem, se estas incursões não deixassem sequelas. Onde termina o virtual e começa o real?
Em comum, além do estilo impecável da autora, tem-se uma preocupação com limites que podem ou não ser rompidos e a diferença tênue entre artificial e natural, entre prazer e dor e entre real e virtual e entre céu e inferno.
“Sem nome” é um dos três contos de Marco Antonio de Araújo Bueno, e seu tema gira em torno de um extraterrestre. O conto caminha bem na primeira parte, porém escorrega na segunda. Passa pela mente do leitor sem deixar rastro. O conto seguinte é “Arquivo truncado”, que é exatamente isso, um arquivo truncado. O terceiro é “Seguimento dezenove”, onde seres estudam sem entender fenômeno que ocorre no “seguimento 19”. Quem fica sem entender nada é o leitor.
Luiz Brás (pseudônimo de Nelson Oliveira) no conta em “Primeiro de Abril Corpus Christi” uma história sobre uma cidade automatizada que toma consciência de sua existência e está sendo combatida por mercenários que tem nomes de personagens da literatura e de HQ´s. Interessante e intrigante.
Daniel Fresnot nos traz três histórias. Em “Exit” o egoísmo de um astronauta e aprecipitação de outro conduz a uma situação de solução impossível. Divertido e inteligente, embora tenha uma inconsistência que tornaria este acontecimento improvável.
O seguinte é o horrível “A vida sexual dos dinossauros”, que aponta como causa provável da extinção dos dinossauros eles terem se tornados gays. Uma piada de mau gosto e inconsistente e ainda “sustentada” por uma informação ultrapassada sobra a AIDS (já faz alguns anos que esta doença não está mais vinculada exclusivamente ao comportamento homossexual). Sem dúvida o pior conto da coletânea.
O terceiro, “Convenção”, parece uma crônica disfarçada de conto (ou vice versa) sobre uma convenção de FC (que aconteceu ou acontecerá?) que não traz “nada de novo no front”.
Também com três contos comparece Ricardo Delfin. “Destino” conta a história de um duelo inusitado e com final surpreendente até para o participante vencedor. Um bom conto.
“Futuro do pretérito” é exatamente isso. O espírito do conto começa na primeira frase: “Eu me lembro de tudo como se fosse amanhã”. E é isto mesmo. A inversão do tempo, de alguém que lembra não do que aconteceu, mas do que acontecerá, percorre toda a narrativa. Uma boa ideia bem realizada.
Em “Gazeta Marciana”, uma revolta de mineiros em Marte é relatada como se fosse notícia de jornal. Competente, mas sem novidades.
Fechando o livro está o meloso e chato “Amor-perfeito”, de Roger-Silva, onde um ser cósmico declama seu amor imortal a outro. Há alguns achados no meio do monólogo de uma imensa declaração de amor, mas se perde na verborragia e elogios rasgados ao ser amado.
Apesar dos deslizes, o projeto Portal 2001 é uma boa leitura. Talvez um cuidado um pouco maior na seleção evitaria que desastres como" Amor-perfeito" e “A vida Sexual dos dinossauros” estivessem nas paginas deste portal.
terça-feira, 14 de setembro de 2010
Morte, no Palco
Morte, no Palco
Autor: Rubens Teixeira Scavone
Editora: Clube do Livro
Ano: 1979
160 páginas
Sinopse: O livro Morte, no Palco nos traz onze contos de um dos pioneiros da FC Brasileira, Rubens Teixeira Scavone.
Comprei este livro num sebo, motivado por conhecer um pouco mais deste escritor muito citado pelo fandom. Normalmente ele comparece sempre quando se pretende reunir contos significativos do gênero, como é o caso das antologias Os Melhores Contos de de Ficção Científica Brasileiros.
Fiquei agradavelmente surpreendido, mesmo já esperando algo muito bom. Scavone é um excelente contista. Em cada um deles revela não só sua habilidade em escrever, como também em compor uma boa história, de criar personagens e verosimilhança num cenário futurista.
Ao se ler cada um dos contos nota-se bastante a influência dos três grandes escritores dos anos 70, os chamados ABC: Asimov, Bradbury e Clark, porém há um jeito muito próprio de Scavone. Um traço marcante é o humor (coisa rara na FC) sutil e surpreendente algumas vezes.
O livro é iniciado pelo excelente ensaio “Ficção científica, uma reavaliação”, escrito pelo próprio autor., onde ele nos mostra sua visão do gênero. Vale destacar uma frase de um de seus últimos parágrafos, que resume seu amor pela FC: “Se imaginar é a mais requintada dádiva concedida ao homem, a ficção científica é o mais alto grau deste privilégio.”
Em “Flores pra uma terrestre” discute-se a questão da beleza fora do seu ambiente. Um flor arrancada de um planeta com uma atmosfera com outras nuances de coloridos seria igualmente bela se transportada para a Terra? E os olhos de quem vê não seriam mais importantes?
“Especialmente, quando sopra outubro” é um conto com características bastante poéticas e realmente merecedor de participar da antologia que reúne os melhores contos de FC. Uma menina tem uma rara habilidade que ninguém consegue explicar.
Em “A evidência do impossível” alienígenas gigantescos chegam à lua de um mundo morto. Seu tamanho descomunal não permite perceber sinais de uma civilização que ali deixara seu marco.
“A caverna” conta a história de um pesquisador amador que se depara com pinturas rupestres e deseja ser o único ter acesso a elas. O autor traça um paralelo com a caverna de Platão, invertendo o real e o ilusório do mito.
Trabalhadores na Lua são os personagens do conto seguinte, “A bolha e a cratera”. Um cruel método de seleção dos que podem, em sua folga, retornar à Terra leva a uma tragédia. O conto satiriza a pretensão de programas psicológicos baseados no comportamento da maioria, dita normal, sem dar conta das nuances individuais.
O menino e o robô é um conto com marcantes características “asimovianas”, com uma pitada de Ray Bradbury. Um menino recebe um robô de presente do pai. O controle remoto é feito por ondas mentais, que acabam gerando um inesperado laço entre o garoto e a máquina.
Em “Número Transcendental”, um fugitivo de um hospício encontra seres alienígenas, mas sabe que jamais acreditarão nele.
Em “O fim da aventura” sete pesquisadores perdem-se numa floresta tropical num mundo desconhecido e acabem morrendo de forma cruel. A história de sua aventura encontra-se narrada no diário do capitão. O comportamento extremamente profissional do psicólogo, a paranóia do comandante em relação a este profissional e o destino final de todos eles compõe um conto carregado de humor caústico e incomodativo, sobretudo no final realmente surpreendente.
“Morte, no palco”, que dá nome à coletânea, nos conta a história de um homem numa situação de risco onde sua única preocupação é de ter uma morte espetacular para que seu filho se orgulhe dele.
Em “O diálogo dos mundos” o humor também da a tônica. O primeiro contato com uma provável civilização acaba mostrando que é mais fácil contatar com extraterrestres do que haver comunicação real entre grupos de seres humanos. Outro conto com humor e final surpresa.
Em “Passagem para Júpiter”, um arquiteto sonha em viajar para o gigante do sistema solar, por ser relativamente inexplorado. O conto, que encerra a coletânea, brinca com os desejos humanos de coisas inalcançáveis.
Autor: Rubens Teixeira Scavone
Editora: Clube do Livro
Ano: 1979
160 páginas
Sinopse: O livro Morte, no Palco nos traz onze contos de um dos pioneiros da FC Brasileira, Rubens Teixeira Scavone.
Comprei este livro num sebo, motivado por conhecer um pouco mais deste escritor muito citado pelo fandom. Normalmente ele comparece sempre quando se pretende reunir contos significativos do gênero, como é o caso das antologias Os Melhores Contos de de Ficção Científica Brasileiros.
Fiquei agradavelmente surpreendido, mesmo já esperando algo muito bom. Scavone é um excelente contista. Em cada um deles revela não só sua habilidade em escrever, como também em compor uma boa história, de criar personagens e verosimilhança num cenário futurista.
Ao se ler cada um dos contos nota-se bastante a influência dos três grandes escritores dos anos 70, os chamados ABC: Asimov, Bradbury e Clark, porém há um jeito muito próprio de Scavone. Um traço marcante é o humor (coisa rara na FC) sutil e surpreendente algumas vezes.
O livro é iniciado pelo excelente ensaio “Ficção científica, uma reavaliação”, escrito pelo próprio autor., onde ele nos mostra sua visão do gênero. Vale destacar uma frase de um de seus últimos parágrafos, que resume seu amor pela FC: “Se imaginar é a mais requintada dádiva concedida ao homem, a ficção científica é o mais alto grau deste privilégio.”
Em “Flores pra uma terrestre” discute-se a questão da beleza fora do seu ambiente. Um flor arrancada de um planeta com uma atmosfera com outras nuances de coloridos seria igualmente bela se transportada para a Terra? E os olhos de quem vê não seriam mais importantes?
“Especialmente, quando sopra outubro” é um conto com características bastante poéticas e realmente merecedor de participar da antologia que reúne os melhores contos de FC. Uma menina tem uma rara habilidade que ninguém consegue explicar.
Em “A evidência do impossível” alienígenas gigantescos chegam à lua de um mundo morto. Seu tamanho descomunal não permite perceber sinais de uma civilização que ali deixara seu marco.
“A caverna” conta a história de um pesquisador amador que se depara com pinturas rupestres e deseja ser o único ter acesso a elas. O autor traça um paralelo com a caverna de Platão, invertendo o real e o ilusório do mito.
Trabalhadores na Lua são os personagens do conto seguinte, “A bolha e a cratera”. Um cruel método de seleção dos que podem, em sua folga, retornar à Terra leva a uma tragédia. O conto satiriza a pretensão de programas psicológicos baseados no comportamento da maioria, dita normal, sem dar conta das nuances individuais.
O menino e o robô é um conto com marcantes características “asimovianas”, com uma pitada de Ray Bradbury. Um menino recebe um robô de presente do pai. O controle remoto é feito por ondas mentais, que acabam gerando um inesperado laço entre o garoto e a máquina.
Em “Número Transcendental”, um fugitivo de um hospício encontra seres alienígenas, mas sabe que jamais acreditarão nele.
Em “O fim da aventura” sete pesquisadores perdem-se numa floresta tropical num mundo desconhecido e acabem morrendo de forma cruel. A história de sua aventura encontra-se narrada no diário do capitão. O comportamento extremamente profissional do psicólogo, a paranóia do comandante em relação a este profissional e o destino final de todos eles compõe um conto carregado de humor caústico e incomodativo, sobretudo no final realmente surpreendente.
“Morte, no palco”, que dá nome à coletânea, nos conta a história de um homem numa situação de risco onde sua única preocupação é de ter uma morte espetacular para que seu filho se orgulhe dele.
Em “O diálogo dos mundos” o humor também da a tônica. O primeiro contato com uma provável civilização acaba mostrando que é mais fácil contatar com extraterrestres do que haver comunicação real entre grupos de seres humanos. Outro conto com humor e final surpresa.
Em “Passagem para Júpiter”, um arquiteto sonha em viajar para o gigante do sistema solar, por ser relativamente inexplorado. O conto, que encerra a coletânea, brinca com os desejos humanos de coisas inalcançáveis.
segunda-feira, 6 de setembro de 2010
As Três Velhas
As Três Velhas
Teatro
Autor: Alejandro Jodorowsky
Direção: Maria Alice Vergueiro
Elenco: Maria Alice Vergueiro, Luciano Chirolli,
Pascoal da Conceição e Marco Luz
Espaço Cultural Banco do Brasil
De 20/08/2010 a 31/10/2010
Sinopse: Duas irmãs gêmeas, de avançada idade, e sua criada, igualmente velha, discutem seus sonhos e angústias a partir de uma festa em que só uma delas poderá ir.
Uma das coisas que me motivou a assistir esta peça é seu autor, Alejandro Jodorowsky. Eu o conheci a partir de suas HQs (Incal), seus filmes e seus livros semi-autobiográficos (Psicomagia e Dança da Realidade).
Além disso, ele é um artista de muitas outras faces. Poeta, teatrólogo e tarólogo. A peça surgiu como uma oportunidade única de conhecer seu trabalho como teatrólogo, já que ele quase não é encenado no Brasil.
O teatro de Jodorowsky é definido, por ele mesmo e pelo teatrólogo espanhol Fernando Arrabal, como “teatro pânico”, sendo aqui “pânico” entendido como relacionado ao deus grego, Pã, que comanda o caos. No teatro pânico não há uma única definição estética ou de gênero, mas a absorção (de certa forma até “antropofágica”, no sentido dado por Oswald de Andrade) de todas elas. Todavia, pode-se enxergar um propósito: mexer com o consciente e o inconsciente do público, trazendo a tona sentimentos e sensações ocultas. Durante a peça a alternância entre humor e drama desconcerta o público, quebrando algumas barreiras internas, conceituais e morais.
O humor muitas vezes nos faz rir de algo que nos incomoda e se dito de outra maneira nos faria sofrer. Rimos na peça das nossas angustias íntimas e ao mesmo tempo universais. Quem nunca sentiu medo de envelhecer? Ou viveu algum momento em que que não havia nenhuma perspectiva.
No caso da peça As Três Velhas, são discutidos: a falta de perspectiva de vida, a decadência provocada pela velhice, a proximidade da morte, a ausência de esperança disfarçada por sonhos irrealizáveis, incesto e abnegação extrema. O vai e vem de emoções nos acompanha até o final que realmente surpreende.
O teatro pânico proposto por Jodorowsky, muitas vezes beira o grotesco, exigindo muito dos atores. O texto de As Três Velhas é um desafio para a interpretação, que foi vencido com louvor pelo elenco, tanto nos momentos dramáticos como nos momentos carregados de humor. A atuação foi soberba.
Recomendo fortemente.
Reportagem em 20/08/2010, no programa Metropolis,
da TV Cultura, com Maria Alice Vergueiro
Serviço:
As Três Velhas
de Alejandro Jororowsky
Direção: Maria Alice Vergueiro
Elenco: Maria Alice Vergueiro, Luciano Chirolli, Pascoal da Conceição e Marco Luz
Espaço Cultural Banco do Brasil
Rua Alvares Penteado, 112
Centro (Proximo a estação Sé do Metrô)
São Paulo - SP
De 20/08/2010 a 31/10/2010
Maiores informações, clique aqui.
sábado, 14 de agosto de 2010
Galeria do Sobrenatural – Jornada Além da Imaginação
Galeria do Sobrenatural – Jornada Além da Imaginação
Autor: Silvio Alexandre (org.) e outros 18 autores
Editora: Terracota
Ano: 2009
160 páginas
Sinopse: Em homenagem aos 50 anos do seriado Além da Imaginação, Sílvio Alexandre buscou em 18 contos de 18 autores diferentes recriar o clima do seriado.
A série foi criada por Rod Serling e teve uma repercussão muito grande na época, ecoando ainda hoje, pois influenciou e continua influenciando muitos autores de fantasia, horror e ficção científica.
Será que o desafio foi vencido?
O livro começa muito bem, com o conto “Blade Zone”, de Andrea del Fuego. Andrea, como sempre brinca (muito bem) mais com a linguagem que com o enredo, criando um conto metalinguistico onde o personagem conduz o autor. Isso é feito de uma maneira inteligente, com diálogo intenso através do texto. Um conto excelente.
A seguir, “O homem que perdeu seu reflexo”, de Bráulio Tavares. Um magnata das comunicações procura vingar-se de seu desafeto da maneira mais ampla possível, ultrapassando a morte. O inusitado colocado de forma sutil está muito de acordo com o clima da série. Nota dez.
Cláudio Brites opta por dar uma coloração nacional ao colocar um personagem narrador que fala o linguajar de alguém sem muita cultura, mas com a sabedoria do povo. Uma história de terror clássica, que ainda cabe dentro espírito da série, se bem que os melhores episódios fossem de um terror mais sutil. Ainda assim, um bom conto.
“A cápsula”, de Cláudio Villa é um conto de FC puro, que tem como o ponto de partida o encontro de um artefato antigo vagando pelo espaço com uma mensagem esperançosa sobre o povo que o produziu. Mais um ponto a favor.
Danny Marks em “Limites” nos leva mais uma vez ao terror clássico, numa história de casa mal assombrada. O ponto original do autor está numa pequena reviravolta no conceito de “limite” operado na mente da personagem principal.
Em “O Haiti é aqui”, Fábio Fernandes cria uma fábula de FC sobre racismo, invertendo os papéis discriminador-discriminado. Um bom conto.
Giullia Moon em “No céu, um bater de asas” nos conta a história de um camelô que tenta proteger dos males do mundo uma menina que o acompanha. O jogo de sutis inversões cria um conto sublime e ao mesmo tempo aterrorizante, bem dentro do espírito da série.
“O demônio está chamando”, de Jana Lauxen, é um conto humorístico, onde um sujeito muito preguiço é tentado por telefone, para justamente continuar a não fazer nada. Apesar do humor ser raro na série, fazia parte de seu contexto. E o conto é bastante divertido.
“Dormindo com o inimigo”, de Luís Felipe Silva, é um conto “survivalista” onde o último homem em um futuro pós-apocalíptico, encontra-se com a última mulher. Mas ambos estão esquecidos do passado da humanidade. Uma boa FC, onde muitas vezes o cenário futurístico e reminiscências de uma tecnologia são colocados de uma maneira sutil.
“O último crepúsculo”, de Márcia Olivieri, e outro conto que trata do futuro da humanidade como espécie. Colocado na forma de um relatório, o conto, embora com uma premissa muito boa, não chega a empolgar. É o mais fraco até aqui.
Mário Carneiro Jr nos traz em “Um estranho incidente noturno” uma coisa bastante comum na série Além da Imaginação: uma pessoa comum diante de um fenômeno incomum, que não entende. Um rapaz acorda no meio da noite e encontra um ser em sua cama. Um excelente conto.
“Hábito Noturno”, de Max MallMann, volta a ser um conto onde o humor predomina (dá até a impressão que foi inspirado em uma piada sobre o Batman), muito bom, porém, na minha opinião foge um pouco ao espírito da série, pois os fatos narrados não são insólitos, mas apenas inusitados.
“A ponte”, de Miguel Carqueija conta a história de Priscila, uma moça comum, que em viagem a uma cidade litorânea é surpreendida por um fog à noite e é perseguida por alguém que quer atacá-la. A perseguição segue com alterações do cenário levando a um final insólito. Por uma questão puramente estilística, eu preferia eliminar o último parágrafo, deixando a dedução final para o leitor.
“Armagedon em Madureira”, de Octávio Aragão, faz uma boa mistura entre humor e terror e faz algumas citações inclusive a um dos episódios. Uma dona de casa enfrenta uma revolta dos eletrodomésticos. Muito bom.
Em “A Herança”, de Regina Drummond, uma moça herda de sua tia um apartamento repleto de plantas. Horror clássico. Muito bom.
“Apenas Sonhos”, de Shirley Souza, nos traz uma história de uma moça que descobre ter controle sobre seu universo sonhado. Um bom conto. Outro que eu suprimiria o último parágrafo.
O livro fecha com uma história em quadrinhas, roteirizada por Bráulio Tavares e desenhada por Cavani Rosas. O texto brinca com a semelhança entre ratos e morcegos. Os desenhos de Cavani são primorosos.
Do ponto de vista da qualidade dos textos e da homenagem ao seriado, podemos dizer que Silvio Alexandre conseguiu seu intento. Um boa literatura tanto para quem conhece o seriado com para quem nunca o viu.
Autor: Silvio Alexandre (org.) e outros 18 autores
Editora: Terracota
Ano: 2009
160 páginas
Sinopse: Em homenagem aos 50 anos do seriado Além da Imaginação, Sílvio Alexandre buscou em 18 contos de 18 autores diferentes recriar o clima do seriado.
A série foi criada por Rod Serling e teve uma repercussão muito grande na época, ecoando ainda hoje, pois influenciou e continua influenciando muitos autores de fantasia, horror e ficção científica.
Além da imaginação
Será que o desafio foi vencido?
O livro começa muito bem, com o conto “Blade Zone”, de Andrea del Fuego. Andrea, como sempre brinca (muito bem) mais com a linguagem que com o enredo, criando um conto metalinguistico onde o personagem conduz o autor. Isso é feito de uma maneira inteligente, com diálogo intenso através do texto. Um conto excelente.
A seguir, “O homem que perdeu seu reflexo”, de Bráulio Tavares. Um magnata das comunicações procura vingar-se de seu desafeto da maneira mais ampla possível, ultrapassando a morte. O inusitado colocado de forma sutil está muito de acordo com o clima da série. Nota dez.
Cláudio Brites opta por dar uma coloração nacional ao colocar um personagem narrador que fala o linguajar de alguém sem muita cultura, mas com a sabedoria do povo. Uma história de terror clássica, que ainda cabe dentro espírito da série, se bem que os melhores episódios fossem de um terror mais sutil. Ainda assim, um bom conto.
“A cápsula”, de Cláudio Villa é um conto de FC puro, que tem como o ponto de partida o encontro de um artefato antigo vagando pelo espaço com uma mensagem esperançosa sobre o povo que o produziu. Mais um ponto a favor.
Danny Marks em “Limites” nos leva mais uma vez ao terror clássico, numa história de casa mal assombrada. O ponto original do autor está numa pequena reviravolta no conceito de “limite” operado na mente da personagem principal.
Em “O Haiti é aqui”, Fábio Fernandes cria uma fábula de FC sobre racismo, invertendo os papéis discriminador-discriminado. Um bom conto.
Giullia Moon em “No céu, um bater de asas” nos conta a história de um camelô que tenta proteger dos males do mundo uma menina que o acompanha. O jogo de sutis inversões cria um conto sublime e ao mesmo tempo aterrorizante, bem dentro do espírito da série.
“O demônio está chamando”, de Jana Lauxen, é um conto humorístico, onde um sujeito muito preguiço é tentado por telefone, para justamente continuar a não fazer nada. Apesar do humor ser raro na série, fazia parte de seu contexto. E o conto é bastante divertido.
“Dormindo com o inimigo”, de Luís Felipe Silva, é um conto “survivalista” onde o último homem em um futuro pós-apocalíptico, encontra-se com a última mulher. Mas ambos estão esquecidos do passado da humanidade. Uma boa FC, onde muitas vezes o cenário futurístico e reminiscências de uma tecnologia são colocados de uma maneira sutil.
“O último crepúsculo”, de Márcia Olivieri, e outro conto que trata do futuro da humanidade como espécie. Colocado na forma de um relatório, o conto, embora com uma premissa muito boa, não chega a empolgar. É o mais fraco até aqui.
Mário Carneiro Jr nos traz em “Um estranho incidente noturno” uma coisa bastante comum na série Além da Imaginação: uma pessoa comum diante de um fenômeno incomum, que não entende. Um rapaz acorda no meio da noite e encontra um ser em sua cama. Um excelente conto.
“Hábito Noturno”, de Max MallMann, volta a ser um conto onde o humor predomina (dá até a impressão que foi inspirado em uma piada sobre o Batman), muito bom, porém, na minha opinião foge um pouco ao espírito da série, pois os fatos narrados não são insólitos, mas apenas inusitados.
“A ponte”, de Miguel Carqueija conta a história de Priscila, uma moça comum, que em viagem a uma cidade litorânea é surpreendida por um fog à noite e é perseguida por alguém que quer atacá-la. A perseguição segue com alterações do cenário levando a um final insólito. Por uma questão puramente estilística, eu preferia eliminar o último parágrafo, deixando a dedução final para o leitor.
“Armagedon em Madureira”, de Octávio Aragão, faz uma boa mistura entre humor e terror e faz algumas citações inclusive a um dos episódios. Uma dona de casa enfrenta uma revolta dos eletrodomésticos. Muito bom.
Em “A Herança”, de Regina Drummond, uma moça herda de sua tia um apartamento repleto de plantas. Horror clássico. Muito bom.
“Apenas Sonhos”, de Shirley Souza, nos traz uma história de uma moça que descobre ter controle sobre seu universo sonhado. Um bom conto. Outro que eu suprimiria o último parágrafo.
O livro fecha com uma história em quadrinhas, roteirizada por Bráulio Tavares e desenhada por Cavani Rosas. O texto brinca com a semelhança entre ratos e morcegos. Os desenhos de Cavani são primorosos.
Do ponto de vista da qualidade dos textos e da homenagem ao seriado, podemos dizer que Silvio Alexandre conseguiu seu intento. Um boa literatura tanto para quem conhece o seriado com para quem nunca o viu.
sexta-feira, 13 de agosto de 2010
Um conto para esta sexta-feria 13
Necronomicon
Álvaro A. L. Domingues
Finalmente eu tinha o que desejava. Um velho antiquário me vendera O Necronomicon. O Grimório dos Grimórios. O desejo de todos os magos e o terror de todos os fracos. O alfarrábio recendia a papel velho, embora alguns autores tivessem dito que suas páginas eram pergaminhos feitos a partir de pele humana. E para dar um tom mais aterrorizante, diziam que a pele de muitas pessoas fora arrancada quando elas ainda estavam vivas. Se ele fosse aberto em determinada hora, poder-se-ia ouvir os gritos. Pouco importava, pois jamais abriria suas páginas. Não desejava tamanho poder, queria apenas o livro.
Enquanto carregava o pesado volume para casa, fiquei imaginando a cara do irmão que fizera demoradas pesquisas na internet e garantia que o livro não existia.
Levei-o para meu quarto, escondendo-o o melhor que pude, dentro de minha gaveta de camisetas. O meu irmão não mexeria lá, pois não gostava do estilo de minhas roupas. Heavy Metal não era a praia dele desde que raspara a cabeça e se juntara com um grupo de skin heads. Não entendia a opção de meu irmão. Não combinava com seu jeito nerd gritar slogans racistas e bater em punks, nordestinos e metaleiros. Na verdade achava que fazia isso só para me menosprezar. Neste instante senti ódio. Não dele, mas das coisas que o transformaram de um tímido internauta em um agressivo skin head. Percebi que não era um simples raiva, nem ódio comum. Era um ódio que vinha de dentro.
Naquela noite tive um sonho estranho. Estava no Tribunal da Inquisição cercado de frades. Eu era o réu. Estava acorrentado, ao lado de dois soldados. Ouvia cânticos gregorianos, e entre os frades via meu irmão com um rosto assustado. Viu em cima da mesa do juiz o Necronomicon, a prova contra mim. Vários frades me acusaram de práticas sinistras que envolviam bruxaria e até sacrifícios humanos. Chegou a vez do irmão falar. Sabia que meu irmão não gostava de mim e desprezava qualquer coisa em que acreditava e que provavelmente corroboraria as acusações. Fiquei aguardando o pronunciamento, mas acordei antes de ouví-lo. Levou algum tempo para perceber que aquilo fora um sonho, mas a sensação de ódio permanecia. Era uma hora da manhã.
Lembrei-me do livro. Abri-o com cuidado. Senti um forte cheiro. Não era simplesmente o cheiro de mofo ou de "guardado", mas, se pudesse defini-lo, seria do próprio Inferno. Apesar de nauseado, continuei. O livro era escrito em árabe. Isso me deixou zangado a princípio, mas o que poderia esperar? O livro poderia estar escrito em sanscrito, latin ou em qualquer língua desconhecida para mim e até para o mundo, já que teoricamente o Grimório fora escrito por uma humanidade extinta, esperando para ser despertada.
Olhava as palavras com frustração, quando as letras começaram a se dissolver diante de meus olhos. Talvez o primeiro contato com o ar tivesse feito isso, mas não era um fenômeno tão simples de ser explicado. As letra surgiram de novo, agora em português, um português muito antigo, parecendo daquelas cantigas de amigo que vira em minhas aulas de literatura. Meu instinto de preservação, ainda alerta, fez com que fechasse imediatamente o livro, mas a curiosidade falou mais alto e o abri novamente.
Comecei a ler o texto e senti aquele ódio novamente. Imediatamente, ouvi o som de cantos gregorianos e vi as páginas transformarem-se numa visão do julgamento que assistira. Me vi novamente como o réu em julgamento e meu irmão depondo:
– Ele é inocente! O Grimório é falso! Um de vocês o colocou em seu claustro apenas para provar sua culpa!
Ouvi um grande oh! Seguido por um burburinho. O Juiz se levantou com visível raiva:
– Prendam este insolente! Ele será julgado junto com o irmão, como cúmplice!
A cena seguinte foi ver a mim mesmo e meu irmão sendo queimados em uma grande fogueira. Senti até as dores. Talvez tivesse gritado e acordado meus pais e o meu irmão.
Quando voltei a mim viu-me diante do livro. Não havia mais ninguém em seu quarto, sinal de que não gritara. E no livro a palavra escrita em caracteres góticos: VINGANÇA.
Bateu-me uma forte sensação de cansaço e voltei a dormir. Acordei muito tarde, muito mal. Meu irmão saira como de costume sem destino definido, já que abandonara tudo em prol de sua "turma".
Minha mãe estava preparando-se para sair. Após alguns meses desempregada, estava indo trabalhar. Recomendou-me um monte de coisas já que eu ficaria só em casa e dali a pouco iria para a escola.
Fiquei só por cerca de meia hora sem muito animo par fazer nada, quando contrariamente a seu costume, meu irmão voltou. Sua aparência estava muito estranha. Eu diria que apavorado.
– O que houve perguntei? -- perguntei.
Meu irmão me olhou com os olhos cheios de pavor e disse:
– Um de meus amigos skin head foi assassinado. E com requintes de crueldade: arrancaram a pele dele deixando-o morrer aos poucos, cheio de dor.
Tranquilizei meu irmão o melhor que pude. Quando ele se acalmou, fui até meu quarto correndo. Abri minha gaveta e, logo abaixo do Grimório, cuidadosamente dobrado algo que julguei ser pele humana. Uma sensação forte de satisfação percorreu todo o meu ser. Mas sabia que não pararia ali.
Álvaro A. L. Domingues
Finalmente eu tinha o que desejava. Um velho antiquário me vendera O Necronomicon. O Grimório dos Grimórios. O desejo de todos os magos e o terror de todos os fracos. O alfarrábio recendia a papel velho, embora alguns autores tivessem dito que suas páginas eram pergaminhos feitos a partir de pele humana. E para dar um tom mais aterrorizante, diziam que a pele de muitas pessoas fora arrancada quando elas ainda estavam vivas. Se ele fosse aberto em determinada hora, poder-se-ia ouvir os gritos. Pouco importava, pois jamais abriria suas páginas. Não desejava tamanho poder, queria apenas o livro.
Enquanto carregava o pesado volume para casa, fiquei imaginando a cara do irmão que fizera demoradas pesquisas na internet e garantia que o livro não existia.
Levei-o para meu quarto, escondendo-o o melhor que pude, dentro de minha gaveta de camisetas. O meu irmão não mexeria lá, pois não gostava do estilo de minhas roupas. Heavy Metal não era a praia dele desde que raspara a cabeça e se juntara com um grupo de skin heads. Não entendia a opção de meu irmão. Não combinava com seu jeito nerd gritar slogans racistas e bater em punks, nordestinos e metaleiros. Na verdade achava que fazia isso só para me menosprezar. Neste instante senti ódio. Não dele, mas das coisas que o transformaram de um tímido internauta em um agressivo skin head. Percebi que não era um simples raiva, nem ódio comum. Era um ódio que vinha de dentro.
Naquela noite tive um sonho estranho. Estava no Tribunal da Inquisição cercado de frades. Eu era o réu. Estava acorrentado, ao lado de dois soldados. Ouvia cânticos gregorianos, e entre os frades via meu irmão com um rosto assustado. Viu em cima da mesa do juiz o Necronomicon, a prova contra mim. Vários frades me acusaram de práticas sinistras que envolviam bruxaria e até sacrifícios humanos. Chegou a vez do irmão falar. Sabia que meu irmão não gostava de mim e desprezava qualquer coisa em que acreditava e que provavelmente corroboraria as acusações. Fiquei aguardando o pronunciamento, mas acordei antes de ouví-lo. Levou algum tempo para perceber que aquilo fora um sonho, mas a sensação de ódio permanecia. Era uma hora da manhã.
Lembrei-me do livro. Abri-o com cuidado. Senti um forte cheiro. Não era simplesmente o cheiro de mofo ou de "guardado", mas, se pudesse defini-lo, seria do próprio Inferno. Apesar de nauseado, continuei. O livro era escrito em árabe. Isso me deixou zangado a princípio, mas o que poderia esperar? O livro poderia estar escrito em sanscrito, latin ou em qualquer língua desconhecida para mim e até para o mundo, já que teoricamente o Grimório fora escrito por uma humanidade extinta, esperando para ser despertada.
Olhava as palavras com frustração, quando as letras começaram a se dissolver diante de meus olhos. Talvez o primeiro contato com o ar tivesse feito isso, mas não era um fenômeno tão simples de ser explicado. As letra surgiram de novo, agora em português, um português muito antigo, parecendo daquelas cantigas de amigo que vira em minhas aulas de literatura. Meu instinto de preservação, ainda alerta, fez com que fechasse imediatamente o livro, mas a curiosidade falou mais alto e o abri novamente.
Comecei a ler o texto e senti aquele ódio novamente. Imediatamente, ouvi o som de cantos gregorianos e vi as páginas transformarem-se numa visão do julgamento que assistira. Me vi novamente como o réu em julgamento e meu irmão depondo:
– Ele é inocente! O Grimório é falso! Um de vocês o colocou em seu claustro apenas para provar sua culpa!
Ouvi um grande oh! Seguido por um burburinho. O Juiz se levantou com visível raiva:
– Prendam este insolente! Ele será julgado junto com o irmão, como cúmplice!
A cena seguinte foi ver a mim mesmo e meu irmão sendo queimados em uma grande fogueira. Senti até as dores. Talvez tivesse gritado e acordado meus pais e o meu irmão.
Quando voltei a mim viu-me diante do livro. Não havia mais ninguém em seu quarto, sinal de que não gritara. E no livro a palavra escrita em caracteres góticos: VINGANÇA.
Bateu-me uma forte sensação de cansaço e voltei a dormir. Acordei muito tarde, muito mal. Meu irmão saira como de costume sem destino definido, já que abandonara tudo em prol de sua "turma".
Minha mãe estava preparando-se para sair. Após alguns meses desempregada, estava indo trabalhar. Recomendou-me um monte de coisas já que eu ficaria só em casa e dali a pouco iria para a escola.
Fiquei só por cerca de meia hora sem muito animo par fazer nada, quando contrariamente a seu costume, meu irmão voltou. Sua aparência estava muito estranha. Eu diria que apavorado.
– O que houve perguntei? -- perguntei.
Meu irmão me olhou com os olhos cheios de pavor e disse:
– Um de meus amigos skin head foi assassinado. E com requintes de crueldade: arrancaram a pele dele deixando-o morrer aos poucos, cheio de dor.
Tranquilizei meu irmão o melhor que pude. Quando ele se acalmou, fui até meu quarto correndo. Abri minha gaveta e, logo abaixo do Grimório, cuidadosamente dobrado algo que julguei ser pele humana. Uma sensação forte de satisfação percorreu todo o meu ser. Mas sabia que não pararia ali.
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