sexta-feira, 30 de março de 2012

Assembléia Estelar (revisto e ampliado)


Assembléia Estelar

Organizador: Marcello Simão Branco
Editora: Devir
Ano: 2010
400 páginas

Errata: Por um descuido subi o arquivo errado e dois contos ficaram de fora, A Era de Aquario, de Miguel Carqueija  e O Grande Rio, de Flávio Medeiros. Peço desculpas aos autores e aos leitores pelo descuido. Os contos estão posicionados agora como os dois primeiros da lista.

Sinopse:  Coletânea da coleção Pulsar, onde a temática e Política e Ficção Científica. São 14 contos, mesclando autores brasileiros e estrangeiros, que traçam um panorama bem amplo das formas de ver a política dentro de diversos cenários futuros. Os contos são precedidos por um bom ensaio assinado por Marcello Simão Branco, Afinidades eletivas entre Ficção Científica e Política, que consegue ser preciso e detalhado, sem aborrecer o leitor.

Todos os textos vêm com uma breve biografia do autor, procurando contextualizar o conto dentro de sua obra, bem como no pano de fundo mais amplo da Ficção Científica e da Política.

O organizador procurou não polarizar ideologicamente sua seleção, embora haja uma predominância da visão distópica nos contos.

A Era de Aquário - Miguel Carqueija

Num futuro próximo, um senador irá dar uma palestra em uma universidade e há uma preocupação com possíveis atentados. Uma ironia profunda norteia o conto, principalmente em relação ao discurso do senador. Muito bom.

O Grande Rio – Flávio Medeiros

Um viajante do tempo, de época futura, tenta assassinar o Presidente Kennedy, pois este acontecimento vai evitar uma série de fatos catastróficos. Medeiros consegue duas façanhas: inovar em uma história que já foi usada muitas vezes até em viagens no tempo, colocando a perspectiva de que o assassinato tem que acontecer. Outro ponto é conseguir criar suspense em uma história em que já sabemos o final. O autor demonstra também um bom conhecimento dos fatos e das especulações em torno do assassinato, conseguindo amarrar perfeitamente a presença do viajante no evento. Excelente.

A Queda de Roma, Antes da Telenovela – Luís Filipe Silva

Um político de velha guarda (ou seja, que gosta do jogo político de alianças e discursos inflamados) não consegue se adaptar aos novos tempos onde a participação popular via internet nas decisões é fundamental. O autor se concentra em explorar os sentimentos do velho político ante algo que não consegue assimilar. Muito bem construído.

Anauê – Roberval Barcellos

O conto retrata uma realidade alternativa onde os Nazistas ganharam a Segunda Guerra e farão uma visita ao Brasil (seu aliado), governado pelos integralistas. Uma boa trama, com direito a revoltas, reviravoltas e confrontos políticos e militares. Personagens, trama e caracterização da realidade alternativa bem criados.

Gabinete Blindado – André Carneiro

Uma mulher imersa num atentado terrorista descreve o que sente e vê, misturando com suas lembranças. A narrativa fragmentada e tensa em primeira pessoa aumenta a dramaticidade do que está acontecendo, fazendo leitor mergulhar de cabeça na cena descrita. Excelente!

Trunfo de Campanha – Roberto Causo

Um conto divertido e competente de Causo, porém meio morno quando comparamos com outros textos do autor e principalmente onde há a participação de Peregrino, um pouco longe de seu “habitat” (batalhas espaciais). Aqui o inimigo de Peregrino é bem mais sutil e por isso mais danoso. O militar está prestes a ser usado por um político inescrupuloso como um “trunfo de campanha” (já denuncia o título). Será que Peregrino, habituado a outro tipo de batalha, conseguirá se sair dessa? A sensação que eu tive deve ser a mesma do personagem: é melhor e mais divertido lutar contra os alienígenas.  

Diário do cerco de Nova York – Daniel Fresnot

Escrito na forma de um diário, o livro conta a história de uma revolta dos cidadãos de Nova York, liderados por um político carismático, contra a União. O personagem-narrador é um escritor francês e sua família, que resolvem ficar mesmo tendo percebido os riscos. Um enredo onde uma pessoa comum é colocada numa situação incomum. O personagem é um estrangeiro e portanto despolarizado em relação a luta que testemunha. O texto então se concentra no drama pessoal do personagem, reflexo do drama que a cidade vive. Um conto excelente.

Saara Gardens – Ataíde Tartari

Uma disputa política entre duas facções de políticos, uma a favor da recuperação de um deserto e outra contra, se enfrentam no palanque e fora dele, às vezes valendo-se de táticas não muito honestas. O humor de Tartari, que inverte alguns paradigmas (desde o título) e cria alguns personagens caricatos, torna o conto muito divertido.

A Evolução dos Homens sem pernas – Fernado Bonassi

Aqui também aparece o humor, de forma caústica e cínica. Soluções em busca de necessidades acabam criando um ambiente onde estas necessidades acabam por se tornar reais. Uma boa alegoria.

A pedra que canta – Henrique Flory

Conto que tem como pano de fundo a ditadura militar presente em vários países da América do Sul. O contexto é uma guerra entre Brasil e Argentina e o uso da Usina de Itaipu como uma arma. Uma criança com um problema ósseo é na realidade o gatilho. Apesar de datado, ainda assim emociona, sobretudo por estar centrado na criança e nas formas que tentaram usar para manipulá-la.

O dia antes da revolução – Ursula K. L. Guin

Outro conto narrado de forma fragmentária. Ele se fixa na história de uma líder revolucionária, mostrando vários aspectos de sua vida, do seu cotidiano e de sua luta. A força do texto está no desvendamento paulatino da personagem que revela sua grandeza de várias formas. Excelente.

O Originista – Orson Scott Gard

Criado dentro do universo de Fundação, como parte de um tributo ao clássico de Isaac Asimov esta noveleta é uma das melhores histórias desta coletânea. O Universo é muito bem explorado e faz uma crítica feroz ao academicismo medíocre que não gera conhecimentos novos, apenas reagrupa o que já foi escrito sobre o assunto . O Originista do conto é Level Forska, alguém que foi “recusado” a participar da Primeira Fundação justamente por não ser capaz de ordenar conhecimentos, mas de criá-los (o que justifica o título). Aconselha-se aos que não leram Fundação e desejam ler, pular este conto, pois ele é um enorme spoiler para um dos eventos mais importantes da saga.  

Questão de sobrevivência – Carlos Orsi

Um revolucionário envolvido numa luta de classes, questiona-se o tempo todo sobre valores éticos. O ambiente é um Brasil distópico, governado por uma ditadura de extrema direita. Trata-se de um bom exemplo de narrativa “tupinipunk”.  Texto muito bem conduzido, com um final que surpreende, mostrando um novo ângulo do personagem principal e a razão maior dos seus questionamentos.

Vemos as coisa de modo diferente – Bruce Sterling

Num futuro próximo, em um Estados Unidos decadente, mas ainda forte,  um jornalista árabe entrevista um astro de Rock.  Haveria possibilidade das duas culturas superarem suas diferenças? O clima de tensão controlada e,  por fim,  de distenção  acende uma esperança no leitor? Isso se manterá? Um final que parece um soco no estômago. 



quinta-feira, 8 de março de 2012

Eu sei que vou te amar - ou da impossibilidade de dizer o indizível


Texto: Arnaldo Jabor (roteiro para cinema)
Adaptação para teatro: Francisca Braga
Elenco: Lígia Paula Machado e Daniel Morozetti
Direção: Ewerton de Castro
Quando: de 07 a 29 de Março às Quartas e Quintas
Onde: Teatro Augusta
Rua Augusta, 947
São Paulo, próximo a estação Consolação do Metrô

Sinopse: Um casal recém separado após seis anos de casamento, se reencontra após de três meses sem se ver. Inicialmente cada um deles imagina o que vai dizer, mas ao se verem, num primeiro momento, só conseguem se manifestar através de lugares comuns e frases cuidadosamente pensadas. Entretanto, lentamente as emoções afloram e as palavras se transformam em agressões e súplicas, temperadas por forte emoção. A emoção toma conta e as palavras se tornam insuficientes para que o cada um, homem e mulher, consiga expressar o que realmente desejam e sentem, onde pouco a pouco o pouco de racionalidade cede lugar a um delírio desvairado, ante a impossibilidade de haver comunicação por meio de palavras entre eles.

O filme de Arnaldo Jabor já havia sido adaptado pelo próprio autor em 1994 e transformado em livro em 2007 e esta nova adaptação de Francisca Braga mantém o nível de qualidade.

Eu sei que vou te amar - filme de 1986

A peça está sendo apresentada como uma comédia romântica, porém é, paradoxalmente, densamente dramática. Quando rimos de algo dito em cena é o riso nervoso de alguém que se viu retratado de alguma forma no comportamento dos atores. Rimos de nós mesmos para não chorar ou morrer de raiva.

 Peça de 1994

A direção de Ewerton de Castro procura criar um ambiente onírico e surreal, através do cenário, trilha sonora, movimentação dos atores e iluminação, que contrasta com a crueza do texto. A iluminação é muito bem utilizada para sublinhar os momentos de transição do pensamento interior (o ator falando consigo mesmo) para a exteriorização por meio da fala.

O desempenho do atores, Daniel e Lígia, é muito bom, mesmo diante da dificuldade do texto e de seu conteúdo denso.

Eu sei que vou te amar - trailer 
peça de 2012

Em suma, uma excelente montagem para um texto excelente, com atores de primeira grandeza.