Portal Fahrenheit
Autores: Nelson Oliveira (organizador), Mustafá Ali Canso, Ataíde Tartari, Roberto de Sousa Causo, Petê Rissatti, Mayrant Gallo, Danny Marks, Sid Castro, Laura Fuentes, Marcia Olivieri, Brontops Baruq, Abilio Godoy, Ricardo Delfin, Izilda Bichara, Claudip Brites, Tiago Araújo, Georgette Silen, Luiz Bras, Maria Helena Bandeira , Marco Antonio de Araujo Bueno, Bruno Cobbi.
Editora: Projeto Portal (cooperativa)
Ano: 2010
160 páginas
Sinopse: Este Portal homenageia o livro Farenheit 451 de Ray Bradbury e é o último de uma série de seis, proposta por Nelson Oliveira. No Projeto Portal estão reunidos textos tanto de autores tradicionalmente associados ao gênero FC, como autores do mainstream, com a proposta de escreverem ficção científica. Apesar do título ser uma homenagem a um livro, o tema é livre desde que dentro do gênero ficção científica e fantasia. O portal Farenheit reúne 24 contos que seguem esta proposta.
“O mundo dos seus sonhos”, de Mustafá Ali Kanso, é o conto que abre a coletânea. Um homem insatisfeito com seu casamento, resolve, apropriando-se de conceitos da pesquisa de sua esposa, criar uma máquina que o levasse por meio de sonhos lúcidos a um universo onírico. Mustafá consegue pintar com muita propriedade um quadro doméstico de insatisfação, usando bastante humor.
“O bunker cretáceo”, de Ataíde Tartari, traz uma história onde uma descoberta arqueológica muda o destino da humanidade: um artefato de milhões de anos feito de... concreto! Uma boa história de especulação sobre o passado e o futuro do planeta.
“Tempestade Solar”, de Roberto Causo, retoma a personagem Shiroma em mais um conto que lembra histórias de espionagem e mais um capítulo na luta da heroína pós-humana em busca de sua libertação.
“Réquiem”, de Pete Rissatti, é uma aventura onde um cidadão comum, respeitador das leis, é colocado pelas circunstâncias em confronto com o governo, virando o líder meio inconsciente de uma resistência. O que ele viola inadvertidamente é lei que proíbe o sonhos.
“Invasores”, de Mayrant Gallo, é uma típica história pós-apocalíptica, onde a humanidade busca se reorganizar após uma invasão ainda em curso, mas num ponto de impasse, tendo que enfrentar dois inimigos: os salteadores humanos e os alienígenas.
“Mesóide”, de Danny Marks, conta a história de um ser enviado ao passado remoto de sua raça para corrigir um erro. Que erro seria esse?
“Deus é Brasileiro?”, de Sid Castro, nos mostra um Brasil futuro dominado por crenças cristãs fundamentalistas onde a única esperança de um futuro mais livre vem de outra seita fundamentalista. Uma crítica cáustica ao envolvimento político de grupos religiosos, que tentam impor à força seus valores.
“Aspieville”, de Laura Fuentes, mostra em seu conto a possibilidade de que todas as crianças autistas ao longo da história podem ter sido fruto de um experimento controlado em busca de um super raça.
“O Apanhador de tempo”, de Marcia Olivieri, coloca, sob a forma de um relato de um réu num tribunal, o testemunho de uma alteração da biologia humana. A forma do testemunho é usada pra ocultar informações do leitor e chegar a um final com alguma surpresa. Para este propósito funciona bem , porém coloca um distanciamento do leitor e “esfria” um pouco a narrativa. A idéia é muito boa e merecia uma história mais longa. Para mim, o final não é tão importante como o drama do personagem principal.
“Ficção especulativa”, de Brontops Baruq, inova na forma de narrar. O narrador tenta contar a história de várias formas, como se fosse ora um filme, ora um romance, cada vez de um ponto de vista diferente. A história é sobre detetives que viajam no tempo e a forma de narrar dá uma dinâmica muito boa a seu desenvolvimento. O humor, às vezes sutil, às vezes escrachado, já se tornou uma marca registrada de Brontops.
“COMun”, de Abílio Godoy é um conto que novamente tem o sonho como tema. Neste caso, um aparelho que permite que as pessoas vejam os sonhos das outras pessoas, em vez de se tornar um revolucionário instrumento auxiliar na psicanálise, torna-se, à revelia de seus desenvolvedores, uma nova forma de entretenimento.
“Minhas Férias”, de Ricardo Delfin, é exatamente o que parece: um texto que imita uma redação escolar, provando que as crianças do futuro são iguais às de hoje, mudando apenas os recursos (se você tivesse doze anos e pudesse dar asas a um elefante, com certeza faria). O humor dá o tom.
“Devoção”, de Izilda Bichara, conta, de uma forma absurdista, as desventuras do Homem Google, que consegue se virar do avesso, mas perde os órgãos internos pela casa, sendo socorrido pela prestativa Rosineide, a faxineira. Ele tem uma inimiga, que espera por um deslize seu, a Mulher Antivírus. Hilariante.
”On”, de Cláudio Brites, nos mostra um dialogo entre dois amigos que estão ligados a tubos, aparentemente por escolha própria. O absurdo da situação de um deles que está com um dos canos entupidos, mas teme se desconectar para novamente reconectar e a tentativa do amigo de convencê-lo a fazer o procedimento fazem um texto tenso, confuso e paradoxalmente engraçado.
“O Homem de Tundra”, de Tiago Araújo, narra do ponto de vista de um típico criminoso de periferia, onde o linguajar de malandro se mistura ao jargão técnico, os acontecimentos numa padaria, aparentemente uma fachada para alguma operação ilegal. A originalidade do texto está justamente no uso da linguagem.
“A Senhora do Lago”, de Georgette Siler, leva a um futuro, num tempo impreciso, a saga do Rei Arthur, misturando seres cibernéticos de porca e parafuso com a magia de Avalon. Uma boa idéia, porém, se abstrairmos as porcas e parafusos, teremos um conto de fantasia medieval.
“Os olhos do gato”, de Luiz Brás, nos traz um futuro onde mulheres e homens são inimigos mortais um do outro. O nascimento de uma criança pode (ou não) mudar esta realidade.
Maria Helena Bandeira comparece com quatro contos que tem em comum serem mais prosa poética do que contos e mais fantasia do que ficção científica.
“Novembro / 3001”, de Marco Antonio de Araujo Bueno, é uma narrativa tensa em primeira pessoa, de um criminoso, pelo menos aos olhos do Estado (um estado totalitário?).
Fechando a coletânea temos o conto de Bruno Cobbi, “O Banho de Diana”. Um excelente conto onde uma pessoa comum é colocada numa situação incomum. Diana, grávida, está só no metrô e de repente se vê envolvida numa luta que parece saída das telas de um vídeo-game. Ou de um sonho.
Os contos desta edição foram mais uniformes e nota-se que a temática predominante foram os sonhos, presentes em pelo menos cinco deles de forma explícita, e outros de forma implícita, onde o clima surreal ou absurdo sugere o mundo onírico.
Outra característica é a presença do humor em alguns contos, quer como elemento auxiliar da narrativa, quer como dominante.
Uma excelente coletênea.