sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

A Fábrica de Robôs - Karel Tchápek

A Fábrica de Robôs
Autor: Karel Tchápek
Título original (tcheco): R.U.R.:  Rossumovi universálni roboti
Tradução: Vera Machac (direto do tcheco)
Editora: Hedra
Ano: 2010
146 páginas

Sinopse: Peça em três atos, escrita em 1920, que narra o drama da fabricação de entidades humanóides com fins de realizarem o trabalho braçal, e de sua revolta contra seu estado de escravidão.

A Fábrica de Robôs foi o primeiro livro que tratou da fabricação em série de entidades artificiais com a intenção de substituir trabalhadores. Apesar do nome “robô” estar associado atualmente a máquinas, na peça são entidade humanóides de origem biológica.

Karel Tchápek é conhecido por sua visão agudamente crítica e seu humor ácido quando trata de problemas sociais e políticos, como vimos em A Fabrica de Absoluto. Socialista, não poupa nem o socialismo em seu posicionamento às vezes cínico. Por exemplo, um dos personagens explica que os robôs absorvem qualquer conhecimento, mas não tem nenhuma criatividade e, portanto dariam  “bons professores universitários”.

Atenção contém spoiler

A peça começa com um diálogo entre Helena e Domin, gerente da fábrica, e seus sócios. Helena veio com o propósito de tentar libertar os robôs. Ela é confrontada com o fato de que eles eram insensíveis a seu estado, pois eram desprovidos de sentimentos.

Os robôs foram criados pelo Sr. Rossum com o propósito de provar que Deus era inútil e tentava fazê-los o mais perfeito possíveis, apesar de ter um parco conhecimento de anatomia. Seu filho toma a frente do projeto, pois vê uma utilidade prática para os robôs, eliminando tudo que era inútil, no seu ponto de vista: criatividade, sentimentos, sexualidade, paladar e olfato, por exemplo. E melhorando algumas características, como força física e capacidade de aprendizado.

Domin vê a criação do robô com uma forma de libertar a humanidade, reduzindo o custo de produção a quase zero, permitindo aos humanos não mais trabalhar (esta é a visão romântica do progresso). Todavia, ao longo da peça, percebe-se que o que resta aos humanos é o consumo puro e simples, confirmando os temores de Alquist, um dos sócios, que vê nas necessidade do cotidiano a oportunidade do homem evoluir. Alquist em momento de crise faz trabalhos de pedreiro, para manter as mãos ocupadas (isso faz com que os robôs durante a revolta o vejam como um igual).

O robos são construídos aos milhares e logo estão no mundo todo. São usados em diversa funções e como soldados em guerras, já que não têm medo.

Helena não deixa a fábrica e fica por lá, casando-se com Domin (fato bastante improvável, mas tratado com muito humor). Sua motivação oculta é tornar os robos mais humanos, dando-lhe sentimentos com a ajuda de um dos engenheiros. Todavia, quando um dos robôs manifesta um sentimento é ódio que aparece.




A revolta ocorre  e, embora esperada, pega o pessoal da fábrica desprevenido (todos os envolvidos recusam-se a ver o óbvio). A humanidade é destruída com exceção de Alquist, que é obrigado a manter a fábrica em funcionamento, porém é incapaz de fazer robôs vivos. Com a impossibilidade de fazer novas unidades, o robôs também perecerão. Todavia há uma esperança: um casal de robôs manifesta rudimentos de amor e desejo um pelo outro o que faz Alquist rejubilar-se.



A parte menos inspirada da peça é o discurso pseudo religioso do final. Mas mesmo aí vemos a ironia de Tchápek. O homem querendo ser Deus, cria seu sucessor.


O livro é importantíssimo para quem gosta de boa ficção científica e esta interessado em mergulhar em suas raizes.

Algumas críticas presentes:
  • Quando a crise principia, Helena tenta convencer Domin a parar a produção. Domin retruca que deverão produzir robôs nacionalizados em vez de robôs universais. Dando diversidade a eles, passariam a odiar uns aos outros e deixariam os humanos em paz.
  • Helena luta pelos direitos iguais, contra a exploração dos robô, mas tem uma governanta, Nana, a quem pede inclusive para abotoar o vestido.
  • Nana tem um preconceito forte contra os robôs e vê as ações de fabricá-los como afronta a Deus. Representa a religiosidade intolerante.
  • O gerente financeiro, no meio da crise pensa apenas nos dividendos. Quando descobre que tem 500 milhões em caixa, tenta subornar o líder dos robôs, porém aos robôs o dinheiro não faz o menor sentido.
  •  Apesar da crise instalada, não percebem que os robôs em volta deles são uma ameaça, pois são igualmente explorados e podem aderir à rebelião.
  •  Quando um dos robôs se manifesta sobre seu desejo, diz que quer ter escravos humanos trabalhando para ele
  • Os robôs, querendo ser humanos, os imitam no que tem de pior (como diz o próprio Alquist: você já são humanos. Aprenderam a fazer guerra.)
O livro é importantíssimo para quem gosta de boa Ficção Científica e esta interessado em mergulhar em suas raízes. A peça ainda valeria pena ser encenada hoje em dia.

Nerd Shop: 


A Fábrica de Robôs. Karel Tchápek. Livraria Cultura.




domingo, 11 de dezembro de 2011

Insanas... elas matam! - Horror feminino em alta

Insanas... elas matam
Autoras: Ana Cristina Rodrigues (prefácio), Alícia Azevedo, Alma Kazur, Bruna Caroline,Carolina Mancini (convidada), Celly Borges (convidada), Débora Moraes, Georgette Silen, Gisele G. Garcia, Laila Ribeiro, Laris Neal, Natália Couto Azevedo, Roberta Nunes, Sandra Franzoso, Suzy M. Hekamiah (convidada), Tatiana Ruiz
Editora: Estronho
Ano: 2011

Sinopse:  coletânea de contos de terror e horror escritas por mulheres e em sua maioria com protagonistas femininas.

A Estronho tem buscado criar um catálogo de livros organizando coletâneas de forma criativa e inteligente. Insanas é um excelente exemplo de como isso funciona. Os editores não tiveram medo de ousar, tanto na capa, na diagramação e no projeto gráfico como um todo, como na seleção de textos, ainda que nem todos possam gostar de algumas ousadias (se houvesse unanimidade, não seria ousadia). Das ousadias gráficas gostaria de destacar a capa, as fotos internas e um recurso pra valorizar o título que é colocar fonte diferente algumas palavras que acabam formando o título.

O prefácio de Ana Cristina Rodrigues faz o que deve de maneira elegante e rápida, como deveriam ser todos os prefácios. Abre um pouco a cortina, sem dar spoiler e sem fazer elogios óbvios. Dali pra frente o risco é do leitor.

Atenção! Nas resenhas a seguir há pequenos spoilers.

O Bem e o Mal
Sandra Franzoso

Amanda é uma moça que faz todos felizes. Cansada de ser “boazinha” e descobre que é assim porque decidiu ser. Segundo ela mesma ela fazia as pessoas felizes porque “apertava os botões certos”. E o que aconteceria se decidisse ser má?

Uma psicopata muito bem caracterizada.

Tinta Vermelho Sangue
Bruna Caroline

A tinta vermelha poderia realmente ser feita de sangue?
Boa ideia.

A última oração

Um espírito obsessor persegue uma noviça, matando todos que chegam perto dela. Conto valorizado pelo seu final.

Do inferno
Georgete Silen

Quem foi Jack o Estripador? Autora parte de duas pistas e de alguns dos crimes para traçar um perfil do assassino e dar voz a ele. Escrito em primeira pessoa, permite que os pensamentos íntimos do assassino venham ao leitor, tornando o serial killer mais humano e por isso mais assustador. Boa sacada.

A Fazenda
Alma Kadur

Clássica história de casa mal assombrada, mistura elementos da cultura e história romena com a brasileira. Um texto bem feito.

Vítimas
Celly Borges

Uma bem construída história sobre o mal que cada um carrega. Há varias reviravoltas todas congruentes com a proposta do texto.

Anita
Carolina Mancini

Uma boa história envolvendo sexo e sangue. As cenas eróticas seguidas de violência são muito bem escritas.

O Relógio Perfeito
Natalia Couto Azevedo.

Contado em uma sequência de tempo invertida, fala sobre a obsessão de uma cientista em construir o relógio perfeito. Mas... a que preço?

Este conto me lembrou um texto gótico pouco conhecido de Julio Verne, escrito em 1874: Mestre Zacharius, onde a obsessão é mesma e o resultado igualmente catastrófico.  

Excelente!

Bianca
Gisele G. Garcia

O quão terrível pode ser a vingança de uma mulher abandonada?
Muito bom.

Desagravo
Laila Ribeiro

Duas raças de feiticeiros em guerra disputam a lealdade de uma hibrida. Sedução e vingança dão o tom. Muito bom.

Pecado original
Roberta Nunes

O título remete à visão distorcida do pecado original de que a mulher, por ter tentado Adão é responsável pela desgraça do mundo. No conto o mito é invertido. Em uma sociedade dominada por mulheres, os homens são oprimidos de todas as formas. O conto é centrado em Maria uma personagem cruel e detentora de poderes similares a  um julgador da Santa Inquisição.

O conto procura levantar uma bandeira feminista, fazendo esta inversão, um recurso muito utilizado para deixar claro o grau de opressão para quem é insensível a outras abordagens. A autora consegue fazer isso sem que o texto pareça panfletário. Excelente.

Quer uma torrada?
Débora Morais

Um relato desvairado de uma mulher que narra um crime como se fosse parte de seu café da manhã. O crime aconteceu mesmo? Muito bem escrito.

Memórias
Alícia Azevedo

Outro conto em que ocorre uma inversão do tempo no desenrolar da narrativa. Uma psicopata descreve a sua trajetória de crimes de sangue e sua busca de um parceiro similar para entender seu  comportamento. Dr Jekill e Jack o Estripador aparecem fazendo “ponta”. Algumas boas sacadas valorizam o texto.

Amor Masoquista
Laris Neal

O título mostra o que é o conto: uma descrição de uma relação onde o sofrimento e prazer andam juntos. O que faz com que o conto fuja do convencional é que a provocação da dor está relacionada com o ciúme.

O livro como um todo cumpre a promessa de diversão com bons textos, mesmo das autoras iniciantes. Alguns contos se destacam pela temática ou por algumas sacadas. A maioria deles são pelo menos bons. Vale a leitura para que gosta de histórias de horror clássico e sangrento.