Portal 2001
Autor: Nelson Oliveira (org.)
Editora: Edição dos autores (cooperada), através do projeto Portal
150 Páginas
Sinopse: De acordo como o próprio site, o Projeto Portal é uma revista de contos de ficção científica com periodicidade semestral, editada no sistema de cooperativa. A pequena tiragem — duzentos exemplares de cada número — será distribuída entre acadêmicos, jornalistas e formadores de opinião. Serão no total seis números (de papel e tinta, não online). Cada número da revista homenageia, no título, uma obra célebre do gênero: Portal Solaris, Portal Neuromancer, Portal Stalker, Portal Fundação, Portal 2001 e Portal Fahrenheit.
O livro (ou revista, se preferirem), reúne 17 autores, alguns bem conhecidos pelo Fandom e de um modo geral os textos são de boa qualidade,alguns excelentes, indicando o cuidado na seleção dos autores e contos. Se este cuidado tivesse sido um pouquinho maior, a edição seria quase perfeita.
Bráulio Tavares comparece com três contos:
“A República de Recursos Infinitos” faz mais que uma referência ao Processo de Kafka. Inclusive o nome do personagem é Youseph B. Sua narrativa concentra-se na excessiva segmentação do serviço público, na tentativa de controlar cada vez mais o cidadão, que por fim o isola do serviço que lhe deve ser prestado, devido ao emaranhado de departamentos e subdepartamentos. Desesperante, tanto para quem se identifica com o personagem perdido no labirinto de departamentos e secções, como para quem é servidor público, preso nas suas intermináveis tarefas sem um significado que lhe seja claro.
Em “Universos Tangenciais (improviso)”, um homem lê um jornal pela manhã e é transportado para diversos lugares. Um bem construído paralelo metafórico sobre as divagações que às vezes fazemos? Ou quem sabe a elaboração de uma teoria sobre os possíveis universos paralelos em que vivemos sem tomar consciência deles? Ou...
Em “Aquele de Nós (improviso)” uma entidade coletiva se preocupa com o destino de uma de suas partículas, que aparentemente tem a ilusão de ser um indivíduo.
Dos três contos o primeiro é de excepcional qualidade e os outros dois (que o autor indica no título como “improviso”) nos dão a impressão de que ele teve duas boas ideias e as anotou na forma de contos. As idéias são boas e os contos bem escritos, apesar de serem “improvisos”. Se é improviso, nos perguntamos: será que o autor vai desenvolvê-las mais tarde?
Roberto de Sousa Causo comparece com “Arribação Rubra”, uma boa mistura de FC com histórias de espionagem, com uma trama bem construída e as reviravoltas que os enredos de espionagem costumam ter. Um bom conto.
Mayrant Gallo no traz A Paz Forçada. Um conto com uma temática interessante: a narrativa navega entre dois pontos principais, as relações familiares e o casamento aparentemente aberto de um lado e as relações econômicas entre empresas e países, de outro. O conto trata destes assuntos com uma ironia mordaz e leva a narrativa a um final que surpreende o leitor. O problema do conto está em demorar para “pegar o leitor”, o seu começo é um tanto lento, como excessivas descrições de pormenores desinteressantes.
Claudio Parreira escreveu “Além do Espelho” que reconta, misturando humor e horror, a lenda de Orfeu e Eurídice, a partir de uma cena de bar. É um bom conto, mas onde está a ficção científica?
Delfin nos traz “Sentinela”, conto onde, num futuro próximo, seres humanos naturais e artificiais disputam o mesmo espaço. Delfin, para manter o suspense, revela aos poucos a trama e, para garantir um final surpresa, “enrola” o leitor o tempo todo, fazendo ele ora pensar uma coisa, ora outra, acerca dos personagens envolvidos. Isso é feito de maneira muito inteligente, garantindo o interesse da leitura.
Mustafá Ali Kanso, apresenta dois contos, bastante poéticos. O primeiro deles, “Herdeiro dos Ventos”, é uma metáfora muito bem construída sobre o amor aos livros e à imaginação. O segundo, “Uma Carta a Guinevere” um astronauta numa viagem einsteniana se despede de sua amada, agora inatingível, traçando um paralelo com o mito de Lancelot e Guinevere.
Brontops Baruq também escreveu dois contos. No primeiro, “Planetas Invisíveis: Diana”, os habitantes de um planeta vêem como solução de seus problemas a miniaturização de todos os seus habitantes. O segundo, “Rebobinados”, uma narrativa divertida sobre um criminoso lançado no espaço na companhia de um tarado que pode estuprá-lo a qualquer momento. O problema é que a viagem vai durar 1800 anos. O que torna a história interessante é a forma de narrá-la.
“Prometeu acorrentado reboot”, de Sid Castro, conta a história de um planeta envolto em escuridão que é visitado por uma nave que, inadvertidamente traz iluminação na faixa visível, num mundo onde as radiações estão em outra faixa do espectro. A luz é mal interpretada pelos seres que lá habitam, para glória e desgraça dos exploradores. Muito bem construído.
“Novo Início”, de Marcelo L. Bighetti, é conto que tem por base uma possível viagem no tempo efetuada pelos nazistas. Uma boa premissa, mal aproveitada. No conto há um salto de mais de 400 anos entre um ponto e outro da narrativa, deixando muita coisa para a imaginação do leitor. Se o autor trabalhar um pouco mais a idéia, poderemos ter até um excelente romance, mas como conto é apenas uma promessa não cumprida.
Rodrigo Novaes nos traz dois contos: “Contato Alpha 9” e “Zaratustra”. No primeiro deles seres alienígenas, aparentemente, utilizam-se de seres humanos para pesquisas, em busca de uma pedra especial, com resultados imprevisíveis. Por que “aparentemente”? Porque é o que eu pude deduzir da narrativa confusa. O que dizer? Apenas que não gostei. Em “Zaratustra”, a narrativa está bem mais legível, mas tem-se a impressão que se o autor dispusesse um pouco mais de tempo, teria composto um poema simbolista.
Maria Helena Nogueira nos traz nada menos que cinco contos: “Neve e sanduíche”, “A gruta de Venus”, “Eblon”, “Mãos de Borracha” e “Quem sabe?”.
Em “Neve e Sanduíche, seres humanos, diante de seu fim descobrem que podem se perpetuar enquanto espécie indo a um universo paralelo. Mas isto seria mesmo uma solução?
Em “A gruta de Venus”, um ser alienígena experimenta pela primeira vez um orgasmo genuíno. Teria valido a pena?
Em “Eblon”, uma humanidade futura tem todo o prazer que deseja em paraísos artificiais. A única coisa que se pede é que se chegue no horário marcado, do contrário uma punição terrível aguarda o incauto. Mas, e se o que se deseja é a punição?
Em Mãos de Borracha (uma referencia a Edward Mãos de Tesoura), um ser humanoíde programado para fazer massagens perde o controle e se perde o controle sobre suas mãos, que executam um programa invasor que dá prazer sexual ao massageado.
Em “Quem sabe?” nos mostra um mundo onde as pessoas resolviam seus conflitos no mundo virtual. Tudo bem, se estas incursões não deixassem sequelas. Onde termina o virtual e começa o real?
Em comum, além do estilo impecável da autora, tem-se uma preocupação com limites que podem ou não ser rompidos e a diferença tênue entre artificial e natural, entre prazer e dor e entre real e virtual e entre céu e inferno.
“Sem nome” é um dos três contos de Marco Antonio de Araújo Bueno, e seu tema gira em torno de um extraterrestre. O conto caminha bem na primeira parte, porém escorrega na segunda. Passa pela mente do leitor sem deixar rastro. O conto seguinte é “Arquivo truncado”, que é exatamente isso, um arquivo truncado. O terceiro é “Seguimento dezenove”, onde seres estudam sem entender fenômeno que ocorre no “seguimento 19”. Quem fica sem entender nada é o leitor.
Luiz Brás (pseudônimo de Nelson Oliveira) no conta em “Primeiro de Abril Corpus Christi” uma história sobre uma cidade automatizada que toma consciência de sua existência e está sendo combatida por mercenários que tem nomes de personagens da literatura e de HQ´s. Interessante e intrigante.
Daniel Fresnot nos traz três histórias. Em “Exit” o egoísmo de um astronauta e aprecipitação de outro conduz a uma situação de solução impossível. Divertido e inteligente, embora tenha uma inconsistência que tornaria este acontecimento improvável.
O seguinte é o horrível “A vida sexual dos dinossauros”, que aponta como causa provável da extinção dos dinossauros eles terem se tornados gays. Uma piada de mau gosto e inconsistente e ainda “sustentada” por uma informação ultrapassada sobra a AIDS (já faz alguns anos que esta doença não está mais vinculada exclusivamente ao comportamento homossexual). Sem dúvida o pior conto da coletânea.
O terceiro, “Convenção”, parece uma crônica disfarçada de conto (ou vice versa) sobre uma convenção de FC (que aconteceu ou acontecerá?) que não traz “nada de novo no front”.
Também com três contos comparece Ricardo Delfin. “Destino” conta a história de um duelo inusitado e com final surpreendente até para o participante vencedor. Um bom conto.
“Futuro do pretérito” é exatamente isso. O espírito do conto começa na primeira frase: “Eu me lembro de tudo como se fosse amanhã”. E é isto mesmo. A inversão do tempo, de alguém que lembra não do que aconteceu, mas do que acontecerá, percorre toda a narrativa. Uma boa ideia bem realizada.
Em “Gazeta Marciana”, uma revolta de mineiros em Marte é relatada como se fosse notícia de jornal. Competente, mas sem novidades.
Fechando o livro está o meloso e chato “Amor-perfeito”, de Roger-Silva, onde um ser cósmico declama seu amor imortal a outro. Há alguns achados no meio do monólogo de uma imensa declaração de amor, mas se perde na verborragia e elogios rasgados ao ser amado.
Apesar dos deslizes, o projeto Portal 2001 é uma boa leitura. Talvez um cuidado um pouco maior na seleção evitaria que desastres como" Amor-perfeito" e “A vida Sexual dos dinossauros” estivessem nas paginas deste portal.
Caríssimo Álvaro,
ResponderExcluirQue presente você está encaminhando nesse dia de significado tão importante para a criança que sobrevive em cada um de nós.
Baudelaire diz que é na infância que encontramos a maior riqueza para escrever.
Nessas belas resenhas encontramos muito dos sonhos daquela fase que é presente, e nos faz pensar no futuro, no POR VIR...
beijo,
Inah