sábado, 17 de abril de 2010

Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica

Sinopse: Coletânea de contos de ficção científica que abrange textos desde o final do século XIX até a atualidade.
 
Escolher os melhores contos de qualquer gênero é uma tarefa no mínimo ingrata. Sempre haverá ausências sentidas, escolhas que não agradam e inclusões questionáveis.
Mas Roberto de Souza Causo parece não ter se importado com isso e fez uma boa antologia, reunindo alguns contos expressivos da ficção científica no Brasil, com a clara intenção de demonstrar que também existe vida inteligente neste canto do planeta.
Podem não ter sido os melhores, mas com certeza ele conseguiu compor uma boa mostra, antecedidas por um prefácio altamente esclarecedor do panorama da ficção científica nas terras tupiniquins.

A seleção começa por Machado de Assis, com seu conto "O Homem Imortal", escrito em 1888. Esta escolha me pareceu um pouco forçada, talvez apenas para por Machado de Assis como um avalista do gênero, ainda coberto por preconceitos por aqui. Trata-se da história de um homem que obtém a imortalidade a custas de uma poção indígena. Tipicamente machadiano, o alvo da sua crítica cínica é a pretensa evolução humana. O conto é bom, mas poderia ser classificado no gênero fantástico, que anda de braços dados com a FC. Se não fosse necessário este aval, talvez este espaço pudesse ter sido ocupado por outros excelentes escritores de FC, inexplicavelmente ausentes: Bráulio Tavares, Ivan Regina, Roberto Schima, Nilson Martelo e Gerson Lodi Ribeiro.

O conto seguinte é de Gastão Cruls, "Meu Sósia", de 1938, que explora o tema do duplo de maneira bem criativa, embora seja clara a influência de Edgar Alan Poe (que tratou do mesmo tema no conto "Willian Wilson"). Também poderíamos classificá-lo como fantástico, porém justifica-se a presença, pois Cruls é um excelente autor de FC e este conto refere-se da maneira metalingüística ao seu romance A Amazônia Misteriosa

A grupo seguinte de contos está relacionado com os anos 1950 e 1960 e a paranóia da guerra nuclear e suas conseqüências.

"Água de Nagasáqui", escrito em 1963 por Domingos Carvalho da Silva, trata do envenenamento radioativo de uma vítima da bomba atômica.

O seguinte é "O Copo de Cristal", de Jerônimo Monteiro, de 1964, que tem contornos beirando o fantástico, mostra um copo aparentemente quebrado que tem o poder de mostrar as guerras do passado e do futuro. Um detalhe: este conto foi adaptado para a TV, pela rede Globo, em meado dos anos 1970, causando desgosto na família de Jerônimo Monteiro. Isso é plenamente justificável, pois a péssima adaptação de Zienbiski passa longe da mensagem anti-belicista do autor.

"A Espingarda", de André Carneiro, descreve uma aventura tipicamente pós-apocalipse nuclear, onde um homem só luta por sua sobrevivência. Na mesma linha, mas carregadas com tintas de humor negro, está "O Último Artilheiro", de Levy Meneses.

Representando os anos 70, Rubens Teixeira Scavone nos brinda com o poético "Especialmente, quando sopra Outubro". Escrito em 1971, nele vê-se claramente a influência do expoente do gênero FC, Ray Bradbury. Nesse conto, uma menina tem o poder de imaginar o que quiser, transportando-se para mundos de sua criação.

O gênero hard é nos apresentado por dois contos. O primeiro, de Finisia Fideli, é "Exercício de Silêncio", de 1983. Ele mostra um astronauta perdido num mundo primitivo, tentando consertar sua nave e voltar para casa. Finisia Fideli coloca dentro deste invólucro hard uma história de contornos humanistas, como se a FC fosse obrigada a mostrar alta tecnologia para ser FC. Embora bem escrito, não deixa de parecer forçado. Típico dos anos 1980. 

O segundo é "A Morte do Cometa", de Jorge Luiz Calife, o ícone da FC hard brasileira. Escrito em 1985, conta fim do Cometa Halley e a tentativa desesperada de salvá-lo. O seu defeito é telegrafar parte do final o tempo todo, desde o título, quebrando um pouco o clima de aventura do conto, talvez para valorizar a outra parte do final da história.

Fechando a edição com chave de ouro, dois contos, que tem em comum a introdução de temas brasileiros inseridos no contexto da história, sem parecer artificialmente colocados. O primeiro deles é "A Mulher mais bela do Mundo", de 1997, onde um fotógrafo encontra uma modelo perfeita, fotografa-a e faz uma exposição. O artista é surpreendido em seu vernissage pela visita oficial de um alienígena. O pano de fundo é a pobreza presente nas cidades grandes brasileiras. Curiosamente este conto, embora excelente, não é citado nem na capa nem na contracapa do livro. O conto é do próprio organizador, Roberto de Souza Causo! Provavelmente se sentiu constrangido em por um conto seu em uma antologia organizada por ele mesmo, que pretendia incluir “os melhores”.

O último é "A Nuvem", de Ricardo Teixeira. Escrito em 1994, conta uma história de uma cidade que vive uma seca já há alguns anos e recebe a presença de uma nuvem milagrosa, que além da água traz toda a evolução da vida na Terra. O jeito de contar é bem brasileiro, mostrando gente comum, simples, lidando com o inexplicável, como num “causo”.

O livro vale a pena ser lido, quer por quem desconheça a FC brasileira, quer por quem a conheça. Os contos, mesmo aqueles que apresentam algum defeito, são de qualidade de boa a excelente, garantido algumas boas horas de entretenimento de qualidade.

Nerdshop:
Os Melhores Contos Brasileiros de Ficção Científica, váriso autores (Devir)

3 comentários:

  1. Prezado Sr. Alvaro Domingues, obrigado pela menção a meu nome. Lisonjeiro que, mesmo estando afastando há cerca de vinte anos, ainda sou lembrado. Quem tiver curiosidade sobre alguns antigos trabalhos meus, poderá encontrar algo na própria internet. Eu também lancei há pouco uma coletânea reunindo a maior parte do que escrevi:

    https://clubedeautores.com.br/book/152240--LIMBOGRAPHIA

    https://clubedeautores.com.br/books/search?utf8=%E2%9C%93&what=schima&sort=&commit=BUSCA

    Obrigado.
    Roberto Schima

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    1. Oi, Schima. É o Causo, aqui. GRD está à sua procura, visando publicação do seu romance. Me escreva no rscauso@yahoo.com.br e coloco vocês dois em contato. Abraço!

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  2. Olá,
    Esse livro estava meio esquecido na minha estante!
    Vou ler agora, obrigado pela lembrança! :)

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