terça-feira, 2 de fevereiro de 2010

Não basta ser Nerd, tem que participar


Tenho três filhos e os três são nerds, com carteirinha e tudo. Certa vez, me perguntaram como faço pra criar filhos nerds. Na realidade quem me perguntou foram pessoas com filhos com alguns fracassos escolares. Isso porque estas pessoas confudiram nerds com CDF.

Após muito pensar resolvi dar as receitas para quem quiser que seus filhos se tornem nerds.

Mas primeiro é preciso situar o que entendo por nerd. Não confunda nerd com CDF. Um CDF típico estuda muito a grade curricular do curso que está fazendo e se preocupa muito com as notas de um modo geral. Estudará Geografia da Patagônia, não por que curta a Geografia ou a Patagônia, mas porque quer tirar dez.

Um nerd típico poderá ir bem ou não nas provas, dependendo do assunto. No exemplo acima, ele irá bem na prova de Geografia da Patagônia se gostar muito de um dos dois. E estará pouco se lixando pras notas.

Uma diferença crucial: Um nerd não se prende a grade curricular ou a atividades extracurriculares comandadas pela escola. Ele estudará tudo com o qual tem afinidade. Por exemplo, saberá de cor o elenco da versão fanfic de Guerra nas Estrelas que apareceu no Youtube, sabe o preço pago pelos orignais de Harry Potter num leilão na Inglaterra, o conjunto de comandos secretos do Excel que farão aparecer um simulador de voo escondido e assim vai. E a única utilidade disso é seu próprio prazer.

Outra confusão típica: nerd também não é um gênio, embora tenha bastante chance de um gênio (e de um CDF também) virar nerd. Nerds normalmente são inteligentes e sentem prazer com o cérebro, mas isto não significa que sejam gênios (nem que não tenham prazer com outras partes do corpo).

Pronto, posso me colocar agora. Isso não é uma receita infalível, mas apenas algumas constatações feitas por flashback onde revi todos os passos da educação dos meninos, com meus erros e acertos.

Em primeiro lugar, eu sou nerd. E isso fez que eu criasse uma atmosfera nerd dentro de casa. Sempre houve muitos livros de assuntos que abrangem da culinária à ficção científica, espalhados, para desgosto de minha esposa, do banheiro à casinha do cachorro (que literalmente devora livros).

Outro componente desta atmosfera: sempre falamos em casa do que gostamos, colocando nossos pontos de vista (nem sempre de forma pacífica) em detalhes até encontrarmos pêlo em ovo. Muitas vezes quem pega a conversa no meio, mal sabe do que estamos falando (a não ser que seja outro nerd com o mesmo referencial).

Vamos ao que interessa, o COMO:

Torne-se um nerd. Este é seu primeiro passo para criar um filho nerd. Isso pode parecer difícil, principlamente se você for um sujeito que só pensa em esportes. Mas há esperança. Todo mundo tem dentro de si um nerd adormecido. Se você for aquele sujeito que só gosta de esportes, seja um nerd-esportista. Comece a estudar e saber de cabeça o nome dos jogadores do time de baseball da 3ª divisão da Finlândia (do campeonato de 1938) ou quando será o próximo jogo de ping-pong entre os dois primeiros do ranking nacional de Trindad-Tobago. Se seu cérebro começar a estalar e não conseguir desgrudar o olho do Guiness Book, funcionou.

Traga pra sua casa parte do universo comum dos nerds: literatura fantástica e de ficção científica, HQs, games, mangás e RPGs. Deixe-os bem à vista. Talvez o nerd de seu filho desperte (e o seu também!).

Fale sobre o assunto. Em casa o grande boom ocorreu quando eu comecei a comprar a série encadernada do Akira. Mas o clima nerd já existia, pois eu tentava estimulá-los a jogar RPGs. O Akira se tornou assunto de muita conversa e especulação, catalizando o nerd em formação dos meus filhos (e, por tabela, de alguns sobrinhos).

Dê o exemplo. Se você quer que seu filho leia, leia você também! Deixe evidente que você lê e gosta.

Esteja por perto. Se seus filhos estiverem acompanhando alguma série, veja alguns episódios, pra ter assunto e conversar com eles.

Por fim, não cometa alguns erros que eu cometi. Eles prejudicaram o aprendizado de meus filhos, e analisando hoje, eu apenas estava repoduzindo o papel que meu pai fez comigo (que não queria que eu me tornasse nerd):


a) Não proíba programas de TV, games ou outros elementos do universo nerd, baseado em preconceito ou desconhecimento. Se não gostar e achar prejudicial, investigue, acompanhe e, por fim, argumente com seu filho. Parentes não-nerds não são boa referência para este tipo de escolha. Programas de TV que dizem que RPGs são coisa do demônio ou que provocam distúrbios de comportamento, também não.

b) Coloque notas escolares no seu devido lugar. Elas só medem a capacidade de seu filho em passar pela escola. Podem ou não refletir interesse, inteligência ou competência. Por enquanto são necessárias para que ele termine o curso, passe no vestibular, etc.. e este deve ser o nível parental de exigência (antes que meu filho reclame, ainda estou aprendendendo a lidar com isso).

c) Admita que não sabe alguma coisa e tente aprender com seu filho. Acredite. Terá muitas coisas que eles sabem mais que você.

Bom, está aí a minha receita. E, se você ainda quiser que seu filho se torne um nerd, tente. Vale a pena.

Álvaro A. L. Domingues
Publicado orignalmente no Homem Nerd em 21/09/2008

4 comentários:

  1. Eu simplesmente adoro este texto! É um excelente guia para pais nerds (e, na minha opinião, todos os pais deveriam ser nerds!).

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  2. Isso já é uma ajuda para meus futuros filhos. Preciso absorver direito o item A dos erros que não se deve cometer.

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  3. Parece bastante com o ambiente em que eu cresci, embora eu não tenha certeza se o meu pai o proporcionou propositalmente ou inconscientemente (e agora, infelizmente, não tenho mais chance de perguntar, rs). E olhe só, acabo de descobrir que eu era nerd E CDF... ;-)

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  4. Grande texto! O ambiente tá pronto, mas enquanto não tenho filhos, vou tentar "nerdizar" meu sobrinho!!

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