Autor:Philip K. Dick
Editora: Rocco
Ano: 2007
Um futuro tão próximo que se pode tocá-lo com as mãos. Este é o tempo onde ocorrem os acontecimentos de O Homem Duplo, de Philip K. Dick. Tirando alguns artefatos e algumas referências e, principalmente a Substância D, o ano poderia ser 2008 ou 1972 (ano em que foi escrito o romance).
Contudo é um romance de ficção científica, onde a ciência envolvidas são a psicologia e sociologia. Philip Dick mergulha fundo não no espaço, mas cérebro de um drogado, na tribo de viciados e na sociedade hipócrita que os gera.
Fred é um agente do governo infiltrado em um grupo de viciados. Para preservar sua identidade, fica escondido atrás de um “traje misturador”. Esse traje o mostra até mesmo para seus colegas da polícia como um ser que troca de faces dezenas de vezes por segundo sendo Todo Mundo e Ninguém ao mesmo tempo. Quando está sem seu traje, é um dos viciados, cuja identidade é desconhecida até mesmo pela polícia. Sabem apenas que ele é um do grupo, mas não sabem qual.
Como parte de seu trabalho, para não estragar seu disfarce, Fred toma uma droga chamada Substância D, um alucinógeno que tem como efeito colateral causar a separação dos hemisférios cerebrais. O problema é que essa droga é altamente viciante e Fred passa tomá-la regularmente, mesmo quando não está infiltrado. Lentamente acompanhamos o deteriorar do cérebro de Fred e o vemos mergulhar numa bad trip, alucinante e alucinada, a ponto dele não saber mais quem é.
Philip K. Dick conhece muito bem o assunto pois era um viciado em drogas alucinógenas e quase todos os personagens foram inspirados em amigos seus, conforme ele mesmo descreve em um posfácio em que dedica o livro a esses amigos. A maioria deles, mortos ou com algum dano cerebral ou físico permanente. Dentro desse contexto, escreve um romance que foge de um moralismo fácil, aliás duramente criticado. Entre as instituições sociais presentes está a New Path, organização financiada pelo governo que recolhe viciados, colocando-os em papéis socialmente aceitos. Numa das cenas os ex-viciados são aconselhados a serem seguidores e não líderes, pois “líderes, como Jesus, são mortos e seguidores sobrevivem”.
O autor consegue também fugir à apologia das drogas ao mostrar com clareza seus efeitos sobre o cérebro dos personagens. Os viciados são apenas pessoas, nem boas nem más, que fizeram uma escolha e sofrem as conseqüências dela (como todos nós).
Merecem destaque algumas cenas. Há uma discussão entre os viciados a respeito de uma bicicleta de dez marchas onde eles não percebem a relação entre as rodas dentadas e as marchas. Ela é fundamental para caracterizar a disfunção cerebral provocada pela substância D.
Há algumas passagens hilariantes, provocada pela falsa percepção da realidade e a perda da capacidade metafórica do cérebro, que os leva a interpretar tudo ao pé da letra.
Já as cenas em que Fred está na companhia dos psicólogos que detectaram as disfunções cerebrais dele servem para dar embasamento científico às especulações do autor sobre os efeitos da droga.
Em uma delas, Fred pede um conselho sobre como cativar uma garota por que está apaixonado, sem que ela se sinta apenas objeto de seu desejo sexual. Guarde a sugestão do psicólogo. Ela é óbvia e banal, porém será fundamental para fechar a trama.
Um destaque especial para o desfecho. Ele nos surpreende e nos faz pensar.
Sobre o filme: o filme de Richard Linklater é bastante fiel ao livro, talvez por isso o “excesso de verbos” apontados pelo nosso colega Edu. Philip Dick é verborrágico também, exagerando nos detalhes em algumas passagens. Todavia quem admira o livro e Philip Dick não fica decepcionado.
Dicas Nerd: leia a Experiência Religiosa de Philip Dick, quadrinhos de Robert Crumb sobre uma entrevista com ele (há uma excelente tradução publicada no site Ovelha Elétrica). Depois releia as páginas 258 (último parágrafo) até 261 desta edição do romance.
Álvaro A. L. Domingues
Publicado originalmente no Homem Nerd em 02/02/2008
Assim como toda ficção científica que se preze, Philip K. Dick fantasia problemas da nossa sociedade em seus livros. Só que poucos o fazem como Dick. Alguns de meus preferidos são "The Man in The High Castle" e "Flow My Tears, the Policeman Said".
ResponderExcluir