quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Anjos, Mutantes e Dragões


Autor: Ivanir Calado
Editora: Devir – Coleção Pulsar
Ano: 2010
292 páginas

Sinopse: 15 contos de Ficção Científica (em sua maior parte) e Fantasia, escritos entre 1990 e 2000, agrupados em cinco sessões.
Ivanir Calado é considerado por vários críticos um dos melhores escritores de Ficção Científica brasileiros, e de fato ele é um excelente escritor.
Cada um dos contos revela uma faceta diferente deste autor. Começando por “Paradoxo de Narciso”, publicada no número 16 da Isaac Asimov brasileira. É uma das melhores histórias de viagens no tempo envolvendo o paradoxo do encontro consigo mesmo que eu li. É o que basta, do contrário daria um spoiler para os leitores que não a conhecem!
As três histórias seguintes foram publicadas na Coleção Fatos e Relatos da Ediouro em 1994. Na primeira deles, “Refém”, um menino de classe média é tomado como refém por dois menores marginais e para suportar a tensão imagina ser um herói espacial vitima de uma abdução por alienígenas. O tom é humorístico e o desfecho muito bem conduzido.
Tia Moira trata de um tema bastante familiar ao brasileiro: as telenovelas. A personagem que dá o título ao conto parece misturar a realidade à fantasia, chorando até a morte de personagens, mas será que a vida imita a arte ou arte imita a vida?
A terceira, para mim a melhor do grupo, está “Anjo”. Um homem recebe a visita de um anjo sempre que algo de ruim vai acontecer em sua vida, só que não entende a mensagem e mesmo que suspeite do conteúdo não consegue evitar o fato predito. O final surpreendente garante a qualidade da história, superando as expectativas do leitor.
O grupo seguinte, também uma encomenda da Ediouro, integravam uma coleção, Eles são sete, que agrupava contos baseados em um dos sete pecados capitais.
A secção abre com o conto “Operação Lobo”, um conto muitíssimo bem humorado sobre a Gula. Nele um espião inglês deve retirar um prisioneiro de uma prisão búlgara, usando comida como suborno. O espião e comparsas acabam comendo o que não deviam e quase põe a perder a operação.  O sucesso é garantido por uma arma insuspeita. O desfecho deverá provocar boas risadas.
“Bobo” é o conto onde a Ira é o pecado-tema. Nele, em um planeta dominado por um regime totalitário, crianças de determinadas famílias são deformadas desde a mais tenra idade para se tornarem bobos da corte. A única vantagem em ser um bobo da corte era poder falar o que quisesse, pois seria interpretado pelos espectadores como uma piada. Mas um dia a piada foi levada a sério.
“O Dia do Dragão” é o conto associado à Preguiça. Um rapaz sonhador é escolhido para ser sacrificado ao Dragão por não ser produtivo. Seu inconformismo provocará uma mudança no comportamento da população.
“Kilumbo” é uma história contada por um idoso a seu bisneto sobre as origens de seu mundo. O orgulho está associado à dignidade recuperada de um povo antes escravo. O conto procura mudar a conotação da palavra orgulho alterando seu significado de arrogância para expressão de dignidade. Aliás a busca de um significado positivo aos chamados pecados é marca da maioria de seus contos neste bloco, como já vimos no conto relativo à Preguiça, ou da justificativa à Ira, no conto “Bobo”. Isso voltará a acontecer no conto “Avthar”, o último do grupo.
“Não é por Inveja” conta história de alguém que não tolera ser o segundo numa relação de amizade, sentindo-se usado pelo ego mais forte.  Um bom conto, onde o dialogo interior e o ponto de vista apenas do narrador-personagem (conto em primeira pessoa) nos conduz a uma expectativa de um final, aparentemente o único possível. Aparentemente.
“A Volta do Dragão”, dedicado à Avareza, é um conto situado no mesmo universo do conto “O Dia do Dragão”, só que separado por um longo período de tempo e contado pelo mesmo bisavô de “Kilumbo”, mostrando uma preocupação do autor em dar uma certa unidade a pelo menos um parcela dos contos deste bloco. Neste conto, um homem muito avarento decide se transformar num dragão para defender seus tesouros.
Fechando o grupo está "Avthar", associado à Luxuria, onde um menino nasce com poderes especiais, mas uma interpretação equivocada do conceito de pureza pelos monges guardiões da religião local condena este menino ao isolamento e o afasta da população que deveria ajudar.
O grupo seguinte é formado por duas histórias, mais voltadas à ficção histórica do que à fantasia ou ficção científica, publicadas por ocasião dos 500 anos do descobrimento na coleção “Aventuras no Tempo”, pela Editora Record.
O primeiro deles é “Foi assim (talvez)”, que especula sobre o fim do povo que vivia nos sambaquis (o povo que virou “talvez”). O segundo é a “Carta do filho da puta”, que explora um dos incidentes relatados por Caminha em sua carta, envolvendo dois grumetes que fugiram e se reuniram aos índios. A história é narrada por um deles, filho de uma prostituta que procura fugir de sua sina humilhante.
No último grupo estão dois contos, um, “Eleanor Rigby” para uma antologia patrocinada pelo CLFC (que infelizmente não saiu) com contos baseados em canções dos Beatles e outro que narra um história policial cyberpunk num Rio de Janeiro distópico, mas muito similar ao Rio de hoje.
“Eleanor Rigby” é baseado numa frase desta música dos Beatles: Wearing a face that she keeps in a jar by the door. Ivanir Calado imagina uma gueixa que troca seu rosto de tempos em tempos, mas sem nunca encarar sua face verdadeira. Para mim este é o melhor conto da coletânea, em primeiro lugar por perceber o potencial da frase para um conto de FC, em segundo, pelo traçado psicológico da personagem, muito bem estruturado e mostrado ao longo da narrativa de maneira sutil e poética, e pelo final, que, para muitos será uma surpresa. Uma belíssima homenagem a Lenon e McCartney.
Fechando o livro está o excelente policial cyberpunk, “O Altar de Nossos Corações”, que parece ter sido escrito por uma mistura do Capitão Nascimento com Bruce Sterling. O governador do estado é sequestrado pelo crime organizado, mas isso é apenas a ponta do iceberg de toda uma trama policial.
Em suma, um excelente livro de um excelente autor.