sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

A Sombra ou mergulhando no lado negro da Força

Na esteira do livro O Efeito Sombra, estão começando a aparecer nas estantes das livrarias vários livros sobre o tema, mostrando o interese do público por este tipo de informação. Isso ocorre porque a auto-ajuda tradicional já deu mostras de cansaço, como bem ilustra a reportagem,  Salvem a auto ajuda, publicada na Página da Cultura.

 O Efeito Sombra deu origem ao ciclo das Sombras na literatura de psicologia e psicanálise destinada a não especialistas.

A causa da ressaca da auto-ajuda nos EUA está na crise econômica gerada justamente pelo excesso de otimismo no mercado. Não que auto-ajuda em si tenha provocado isto, mas a crise gerou uma onda de desilusão e frustração e um dos dedos acusadores aponta para este tipo de literatura. Sem contar o desgaste natural já que todos os autores tentam falar basicamente a mesma coisa.


Então nos voltamos para aquilo que esquecemos na ânsia de pensar positivo: o nosso lado negro. Ou no dizer dos analistas junguianos: a nossa Sombra.

O que seria esta Sombra? Aquilo que negamos em nós mesmos, ainda que seja parte da natureza humana. O exemplo mais claro é da sexualidade. Nossa sociedade  impõe padrões de conduta que negam no todo ou parcialmente a manifestação livre e espontânea desta sexualidade (pode-se  argumentar contudo que hoje já não “tanto assim”, mas o exemplo ainda vale). Um bem sucedido médico, bem casado, com uma vida tranquila, de repente se envolve numa orgia sexual com prostitutas. É a Sombra reprimida que explode. Anakin Skywalker virou Darth Vader

Não pretendo aqui adentrar neste tema, mas apenas comentar alguns livros desta nova safra, que prometem mostrar, explicar e ensiná-lo a lidar com seu Darth Sidious interior antes que você vire Darth Vader.


Darth Sidious seduz Anakin para o lado negro da Força
 
O primeiro deles é Alimente seus Deuses e Demônios interiores de Tsultrim Allione, publicado pela editora Vida e Consciência. Este livro traz para o ocidente uma técnica tibetana de lidar com qualquer tipo de problemas, em especial os emocionais. O técnica propõe em vez de combater o demônio (uma emoção negativa, por exemplo, a raiva) o alimentemos até que ele, saciado, vá embora ou se transforme num aliado. A técnica tem uma grande similaridade com a ressignificação de seis passos da programação neurolinguística, com a diferença básica de que a tibetana tem um nível de atuação mais simbólico e ritualístico e parece atuar com mais profundidade.

 
Para o budismo tibetano não devemos dar combate aos demônios, mas alimentá-los

O segundo deles é A Sombra Interior, de James Hollis, publicado pela editora Novo Século. O livro tem o subtítulo Por que as pessoas boas fazem coisas ruins? Este é o mais junguiano dos três títulos e procura discutir em profundidade este aspecto da personalidade humana, sem dourar a pílula. O subtítulo é uma pergunta que muitos fazem, inclusive em relação a si próprios, sem entender o que realmente está acontecendo. Segundo o autor, não entender é óbvio: a Sombra simplesmente está no inconsciente e por definição não temos consciência dela!  Por isso precisamos descobrir sua natureza e trazê-la o máximo possível à tona para poder aceitá-la e transcendê-la.

O último é Noites escuras da alma, de Thomas Moore, editada pela editora Verus. Este autor, baseado num texto do século XVI de São João da Cruz, concentra-se nos momentos em que estamos em sofrimento (“as escuridões emocionais”)  onde hoje a medicina, a psicologia e a psicanálise tradicional buscam dar uma resposta a mais rápida possível para tirar a pessoa deste estado. Uma das maneiras é receitando antidepressivos, que teriam o condão de gerar “um paraíso artificial”, tomando emprestado um termo de Baudelaire. A proposta do autor é viver a noite escura, pois ela seria necessária à nossa própria evolução.

Os três livros dentro de suas propostas são bons, no sentido de que não ficam em torno de receita fáceis e, no fundo, vazias, mas procuram dar um conhecimento mais amplo ao leitor interessado em conhecer o lado negro da Força. 

Uma coisa que notamos com a auto-ajuda e que pode acontecer com a questão da Sombra. Logo virá a segunda geração deste tipo de livros, onde pessoas com um pequeno conhecimento do assunto e editores ávidos por lucro fácil entupirão as estantes da livrarias com livros de capa preta propondo tirá-lo da escuridão. A pílula, em vez de cor-de-rosa, agora será cinza.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Breve Romance do Sonho

Breve Romance do Sonho
Autor: Arthur Schnitzler
Título original alemão: Traumnovelle
Tradução: Sérgio Tellaroli
Editora: Folha de São Paulo
Ano: 2003
96 páginas.


Sinopse: Fridolin é um médico bem sucedido, casado com uma linda mulher, Albertine, pai de uma adorável menina. Tudo indica a perfeição de um lar classe média da Viena do início do século XX. Essa perfeição contudo é perturbada quando Albertine conta a seu marido uma fantasia sexual onde ela flerta com outro homem. Fridolin é chamado às pressas para atender um morimbundo e no caminho, uma série de incidentes o leva a uma aventura onde o sexo e a morte estão perigosamente presentes e unidos.


O livro serviu de base ao filme póstumo de Kubrick: De olhos bem fechados, que transpõe a narração para os dias de hoje, mas mantém o clima onírico do romance.



Schnitzler, contemporâneo de Freud, conduz a narrativa de forma e reforçar o caráter onírico tanto das fantasias e sonhos de Albertine como a realidade vivida por Fridolin. O centro da narrativa está no médico que se tortura o tempo todo pelo ciúme do amante imaginário da esposa em busca de uma pseudo-vingança envolvendo-se numa aventura inicialmente apenas misteriosa, mas que se revela perigosa.

A sensação que se tem é de irrealidade. Mascaras de carnaval, um culto hedonista que sacraliza o sexo, uma orgia com mulheres nuas, mas com o rosto envolto em véus e um músico que toca com os olhos vendados e advertência “fuja enquanto é tempo”, que tem o efeito de seduzir mais do que afastar.



O que está em jogo são os valores e sentimentos impostos socialmente, questionados pelo médico que tem uma vida bem sucedida, dentro dos padrões pequeno burgueses, mas que desmorona diante de uma simples fantasia sexual. Não há ligação necessária entre nossos desejos e o que acreditamos poder ou não fazer, entre amor e sexo, entre casamento e felicidade e entre o que se declara certo e o que se faz efetivamente.

Ao ler o romance temos a clara sensação de que uma vez que tudo termine, da forma que for, Fridolin e Albertine jamais serão os mesmos.

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Só sei que não vou por aí

Só sei que não vou por aí
Autor: H. V. Flory
Editora: GRD
Ano: 1989
146 páginas

Sinopse: Coletânea de 13 contos de ficção científica do autor, com diversos temas.

Resolvi ler este livro, em busca de conhecer um pouco mais sobre a segunda onda da Ficção científica Brasileira, que teve uma safra de bons autores. Alguns continuam produzindo outros desapareceram na poeira do tempo, como é o caso de Flory.

Eu esperava algo de qualidade e foi o que encontrei. Os contos são bem escritos e com uma trama bem desenhada a maioria deles com um desfecho que surpreende de alguma forma o leitor.

O livro começa pelo conto “Sozinho”, donde um homem vive a paranóia de achar que todas as máquinas do planeta estão contra ele, do seu computador pessoal ao cortador de grama. O personagem é muito bem caracterizado, bem como a sua suposta paranóia, que o faz duvidar até de humanos.

O conto seguinte é “Long Dong”, que brinca com a preocupação doentia em relação ao desempenho sexual.

“O consertador” faz um paralelo entre os vírus de computador e o vírus da AIDS, numa conversa entre um técnico de informática e uma cientista que pesquisa sobre a doença. Aliás, a AIDS é um tema recorrente para ou autor, que escrevia num momento em que a doença estava em plena evidência na mídia. O interessante deste conto é que o autor prevê com certa precisão o desenvolvimento dos vírus de computador e as maneiras de combatê-los. O humor é bastante presente.

“A aristocracia eletrônica” retoma o tema da AIDS, descrevendo uma sociedade baseada em castas em relação à possibilidade de contaminação e a tentativa de um artista que ousa romper as regras de segregação.

“A Neoescravocracia advinda” nos coloca diante de um mundo hedonista onde escravos eletrônicos fazem tudo o que desejamos. O que nos resta? O tédio.

Em “Abraxas”, um engenheiro sofre um acidente é lançado ao espaço e enquanto aguarda o resgate em condições adversas medita sobre as duas formas que estão sendo realizadas para retirar energia do espaço: uma baseada na luz, que extraia energia de sóis e outra, baseada nas trevas, que extraia energia de um buraco negro. Por estar girando velozmente, vendo ora luz ora treva pensa na divindade que seria a união de ambos, Abraxas. O final é profundamente irônico, outra marca dos textos de Flory.

O conto que dá nome à coletânea é “Só sei que não vou por aí”, onde o direito de escolha do modo de viver ou morrer é posto em xeque, bem como a noção de liberdade e evolução.

“Cíntia” volta a mexer com valores de escolha. Se todos seguem a mesma direção, não significa que eu deva seguir, ainda que todos pareçam felizes.

Em “Ícaro” o tema da liberdade a qualquer preço também está presente. Voar como os pássaros sob o sol é um sonho dourado. A não ser que o sol possa te matar, numa Terra onde não há mais nenhuma proteção aos raios ultravioletas.

Em Big Ben, Flory brinca de maneira muito inteligente com o doping esportivo e o episódio de Ben Johnson nas olimpíadas de Seul. Cem anos depois, outro caso controverso está prestes a acontecer. Muito bem humorado.

 “O leito de Procusto” resgata o mito do gigante que fazia com que os viajantes deitassem num leito. Se fossem menores que a cama, ele os esticava. Se maiores ele cortava as pernas na medida correta. Absurdo? Quantos não fazem isso com ideologias...

 O conto “Invasores?” retoma o mesmo cenário desolado de “Ícaro”. O homem vive agora no espaço, colonizando outros mundos. A Terra envenenada pelos raios ultravioleta é deixada pra os incapazes e os teimosos. Este é o caso de Cunnigans, curiosamente um exobiologista, que adota o ponto de vista da pan-espermia. Após anos de isolamento ele é requisitado pra uma missão de extrema importância, que pode revelar que ele está certo ou, de acordo coma paranóia dos militares no comando, que está ocorrendo uma invasão. Outro conto com um final carregado de ironia.

Fechando a coletânea está “Amigos”. Basicamente o conto responde com humor e ironia à pergunta: será que somos os únicos na Terra a ser inteligentes?

Todos os contos são bons e alguns excelentes. Destaco como os melhores “Abraxas” e “Só sei que não vou por aí”, por tocarem questões fundamentais dentro de bons enredos. Duas obras primas!

domingo, 2 de janeiro de 2011

A Dança da Realidade

A Dança da Realidade
Autor: Alejandro Jodorowisky
Editora: Devir Livraria
Ano: 2010
368 páginas

Sinopse: “Autobiografia imaginária” de Jodorowisky, cobrindo dede sua infância até a consolidação do que ele chama de “psicoxamanismo”.

Por que autobiografia imaginária? Segundo o próprio Jodorowisky, ainda que tudo que ele tenha relatado sejam fatos de sua vida, ainda assim a imaginação tem que estar presente na concepção do texto, visto que só percebemos da realidade aquilo que é filtrado por nossos conceitos limitantes e que para transcendê-los, devemos usar a imaginação ativa, buscando outros pontos de vista.

"Este livro é um exercício de autobiografia imaginária, se bem que não no sentido de “fictícia”, pois todos os personagens, lugares e acontecimentos são verdadeiros, a não ser pelo fato de que a história inteira de minha vida é um esforço constante para expandir a imaginação e ampliar seus limites, para apreende-la em seu potencial terapêutico e transformador." - Jodorowisky


El Topo (Trailler) - Filme de Alejandro Jodorowisky

O livro, com muitos detalhes de sua vida tumultuada, nos permite ver como todos estes acontecimentos ajudaram a moldar o poeta, teatrólogo, cineasta e roteirista de HQs.

A narrativa começa com sua infância pobre no Chile e sua relação conflituosa como pai, um comerciante de origem russa, que renegava tanto sua condição de judeu como a de estrangeiro. Por temer que seu filho se tornasse homossexual, tratava filho sem demonstra afeto e até com brutalidade. Essa busca de afeto paterno marcará profundamente o jovem Jodorwisky. Real ou imaginário? Tanto um como outro. Seu pai realmente o agrediu fisicamente apenas para que ele provasse resistir a dor? Estas são as reinterpretações de acontecimentos muito antigos segundo a lógica de um adulto que revê seu passado e procura dar-lhe uma interpretação consistente.




Jodorowisky na TV Mexicana

Jodorowisky é conhecido por suas atitudes polêmicas, algumas já descritas no seu livro anterior, Psicomagia, e mostradas em detalhes nesta sua autobiografia. Um artista ousado e inquieto, que foi um poeta chileno de projeção internacional, trabalhou com Marcel Marceau e Morrice Chevalier, foi palhaço em um circo, montou uma companhia de teatro de marionetes, destruiu um piano a marretadas diante das câmeras da TV Mexicana, criou o teatro pânico – onde pessoas comuns improvisavam livre de amarras, o que acabava gerando espetáculos altamente bizarros, que fariam Lady Gagá parecer uma senhora muito comportada – cineasta surrealista, assistente de uma curandeira mexicana, praticante de Zen, leitor de Tarot e finalmente um psicomago e psicoxamã (não necessariamente nesta ordem).



Movimento Panico, criado por Alejandro Jodorowisky, Fernando Arrabal e Roland Topor. O nome inspira-se no do deus Pan, o qual se manifesta através de três elementos básicos: terror, humor e simultaneidade.  

Tudo isto é nos mostrado num texto fluído e envolvente, em que pese alguns paragrafo extremamente longos. Ao lê-lo, percebe-se a sua preocupação em romper limites, inicialmente pessoais, depois sociais, tendo como parâmetro apenas a imaginação.

O texto é fundamental para se conhecer o artista e entender seu processo criativo. Porém este processo não pode ser reproduzido, por isso creio que não haverá outro psicoxamã. A ruptura já foi estabelecida. Não há como romper o que já foi rompido. Quem quiser que crie seu próprio caminho.