quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

O Romance Experimental e a Ficção Científica

O que faz um bom escritor de FC? Muitas coisas, mas a maioria dos que aconselham um autor iniciante é que boa parte do trabalho é transpiração, causada por uma exaustiva pesquisa do tema que o autor pretende tratar, sobretudo se optar pela vertente hard.


Recentemente, ao ler o livro Pelos olhos de Maisie, me veio à mente uma comparação, e resolvi explorá-la.

O romance em questão, foi escrito em 1897, por Henry James, irmão do psicólogo americano William James, e trata das relações interpessoais entre um casal de divorciados e, posteriormente os novos cônjuges, e a filha do casal, Maisie. A menina tem por volta de seis anos quando ocorre a separação. A guarda da criança é dada inicialmente ao pai. Depois, por um problema econômico, o pai foi obrigado a dividir a guarda com a mãe. A partir de então, Maisie deveria ficar seis meses com o pai, depois seis meses com a mãe. Este arranjo assemelha-se ao que hoje se poderia definir como "guarda alternada”.


Entretanto, intenção tanto do pai como da mãe era usar a menina para se atacarem mutuamente. Não há cônjuge amoroso, nem participação ativa da criança, que apenas se defende, inicialmente tentando participar do jogo de leva e trás e, posteriormente, mecanismos de defesa para evitar participar dele.


Podemos pensar em Pelos olhos de Maisie como um estudo de caso onde o autor, usando sua imaginação e sua observações para criar um ambiente propício para um “experimento” de ordem psicológica. Apesar de adotar com maestria o ponto de vista de uma criança, Maisie é uma menina idealizada, pois passa pela experiência aparentemente sem traumas, apesar de não sabermos em que adulto ela se tornou. O forte do livro está na descrição de todos os mecanismos de intriga usados pelos adultos através de uma criança, bem com o dos mecanismos de defesa montados por ela para superar a situação, isto tudo contado quase que exclusivamente no ponto de vista dela.


O livro foi escrito dentro de um período literário, o Realismo, e de um conceito, o Romance Experimental, por um escritor de importância para o período, Henry James. O Realismo enquanto escola literária busca em oposição ao Romantismo mostrar o cotidiano e a realidade sem idealizações ou maniqueísmos. O Romance Experimental, criado por Emile Zolà, pretende transformar a obra literária num experimento, onde os personagens estão num ambiente sob controle do autor. No romance experimental pretendia-se criar um ambiente ficcional onde o autor poderia experimentar sua tese, baseado nos conceitos da sociologia, genética e psicologia. Quando isto é levado a extremos, recebe o nome de Naturalismo.


Os autores realistas e naturalistas buscavam criar suas obras dentro de princípios científicos rígidos, fazendo pesquisas exaustivas na literatura científica e observando os personagens e ambientes que dariam vida ao romance que estavam escrevendo. Por exemplo, se a questão a ser vista era prostituição, o autor iria visitar um ou vários prostíbulos e entrevistaria freqüentadores, prostitutas, policiais e outras pessoas presentes neste meio.


O que faz hoje um escritor de FC hard? Se for competente, a mesma coisa! A única diferença são as ciências envolvidas, mas a filosofia norteadora é a mesma. Num bom romance de FC, o autor também cria um laboratório virtual onde um fenômeno afetará um grupo de personagens “em condições controladas”, como teorizou Zolà.


Não é por acaso que a FC tenha surgido no final do século XIX, já que a literatura da época refletia as profundas transformações econômicas, políticas, sociais e culturais que estavam correndo, causadas, sobretudo, pela Revolução Industrial, os avanços na ciência e tecnologia, não só as Quimica e Física, mas também a Biologia (com o Darwinismo), as recém criadas Sociologia e Psicologia e o surgimento de forma polêmica da Psicanálise, que começou a mexer com tabus sexuais.


Na economia temos o crescimento do capitalismo que cria complexos industriais. E este crescimento faz com que classe operária urbana cresça, surgindo o conceito de “proletariado” e trazendo à tona ideologias socialistas, culminado com Marx, que revoluciona a teoria econômica.


Esta efervescência social e cultural fez com que os escritores buscassem outra forma de fazer sua arte. Segundo Paulo Cesar Alves, em seu artigo Narrativas Antropológicas e Literatura:


O movimento realista-naturalista tem algumas características marcantes. Como observou Zola (O romance experimental, 1880), é “a fórmula da ciência moderna aplicada à literatura”.(...) Essa ânsia da verdade aproximou a literatura ao campo da ciência. O intelectual da “belle époque”, em sintonia com a época, caracterizou-se pela sua exaltação a ciência e a moderna tecnologia, havendo um grande interesse e devoção pelas coisas materiais. Os romances ressaltavam as bases físicas do pensamento e da conduta humana. A biologia e a psicologia foram as ciências que exerceram profundas influências na nossa elite intelectual. O darwinismo e a idéia de evolução tornaram-se quase que uma religião para eles.


Henry James (1843-1916), é um importante escritor de origem americana deste período. Sua posição em relação à literatura é expressa na seguinte frase: “A única razão para a existência de um romance é a de que ele tente de fato representar a vida.” Portanto, segundo ele próprio, Henry James está inserido no contexto da escola realista de literatura, num estilo chamado de Romance Experimental, criado por Emile Zolà.


No Brasil, este período é bastante fértil, tendo nada menos que Machado de Assis, como o escritor mais representativo do período.


Machado de Assis tem sido alvo de alguns livros de ficção alternativa, o que de certa forma o coloca em evidência fora do círculo dos estudantes de vestibular. Embora não tivesse feito um romance experimental, Machado de Assis é considerado um expert da alma humana e pode-se dizer que escreve romances de natureza fortemente psicológica, sobretudo Dom Casmurro. Uma das forma de analisá-lo é ver a evolução do personagem. Primeiro, é o ingênuo Bentinho. Depois, se transforma em Bento Santiago, cujo segundo nome pode ser decomposto em Sant-Iago (Iago, o personagem que leva Otelo ao crime), o homem corroído pelo ciúme. Termina como Dom Casmurro o homem amargo que vive sob torturante dúvida.


Se ele vivesse hoje, talvez escrevesse FC. Ele levava jeito pra coisa.

sábado, 18 de dezembro de 2010

História da Ciência número 2

História da Ciência número 2
Edição especial da Revista de História
Biblioteca Nacional

Acabou de chegar às bancas o segundo volume de História da Ciência, da Biblioteca Nacional, tendo como tema central Ao Universo e além!

O número 1 já comentado aqui trouxe informações muito importantes sobre a ciência brasileira do passado, sendo uma fonte importante de pesquisa para aqueles que pretendem escrever ficção científica, fantasia ou história de época situada no Brasil em algum lugar do seu passado, presente ou futuro.

O volume 2 continua a explorar estes temas. O interesse passa desde a pré história até pesquisa recentes. Um dos artigos, A caminho do cérebro eletrônico, nos coloca diante de pesquisas de um brasileiro, Miguel Nicodelis, sobre a interação entre cérebro e máquina, que organizou em 2008 uma experiência onde os impulsos elétricos do cérebro de um macaco nos EUA controlava um robô no Japão.

O artigo O Eclipse de Sobral fala sobre as pesquisas realizadas, em Sobral, no interior do Ceará, durante um eclipse em 1919, visando a comprovação da teoria da relatividade.

Indo para um outro período, os séculos XV-XVI, a matéria Saber navegar é preciso nos mostra muito sobre a arte e técnica da navegação Ibérica. Outra que abrange o mesmo período é Uma nau lava a outra, sobre a cartografia de ibéricos e franceses.

Nas páginas centrais, mais uma linha do tempo, abrangendo do século XVIII ao XXI os seguintes temas: doenças e vacinas, energia, educação e divulgação científica, inovações tecnológicas, inttuições e comunidade científicas.

Os Primeiros Drawinistas, mostra que as primeiras comprovações da teoria da evolução foram achadas no Brasil, não durante a primeira expedição do cientista ao Brasil, mas em 1862, pelas mãos do naturalista inglês Henry Walter Bates, que percorreu os rios Negro e Amazonas, durante doze anos.

Cesar Lattes, o controvertido físico brasileiro, é o tema da reportagem Dos raios cósmicos para o samba, que conta como este brilhante cientista se valeu de sua influência no meio científico internacional para divulgar a ciência brasileira.

Em Visonários da Eletrônica, o artigo fala de dois brasileiros, o padre Landell de Moura e Luiza Moreria, que, cada um à sua maneira, foram precursores da pesquisa sobre eletrônica no Brasil.

Há ainda muitas outras matérias de interesse para nós que desejamos ser escritores de fantasia e ficção científica.

domingo, 12 de dezembro de 2010

Tron: O Legado

Tron: O Legado
 

Direção: Joseph Kosinski
Roteiro: Adam Horowitz e Edward Kitsis
Elenco: Jeff Bridges, Garrett Hedlund, Bruce Boxleitner, Olivia Wilde, Michael Sheen, James Frain
Música: Daft Punk
Direção de Arte: Claudio Miranda
Lançamento previsto:  17 de dezembro de 2010

Sinopse: Kevin Flynn, principal executivo de uma empresa de software, obcecado por querer dar a vida a seres de um universo virtual, desaparece misteriosamente. 20 anos depois, seu filho,Sam,  imaturo, em vez de assumir os negócios,  faz intervenções marginais e espetaculares, tentando resgatar a imagem do pai diante de uma diretoria ganaciosa. Tudo muda quando um amigo de Kevin recebe um bip num aparelho desativado desde o desaparecimento do executivo.

Na tentativa de resgatar Kevin, Sam vai ao escritório abandonado do pai e, ao acionar um computador antigo é levado a um mundo virtual, a Grade, o mesmo mostrado no primeiro filme de TRON.

Os roteiristas e  o de diretor de TRON, o Legado tinham a responsabilidade de criar algo à altura do primeiro filme TRON, de 1982, que apesar do roteiro simples, foi revolucionário ao criar um mundo virtual, conceitualmente e como efeito especial e o uso massivo de computação gráfica, na construção dos cenários, veículos e roupas dos personagens.

Esperar algo revolucionário de novo numa sequência seria esperar demais, mas o risco de produzir algo sofrível era muito grande. A direção se preocupou em manter a forma original do cenário, das roupas e veículos, incrementando-os com mais detalhes e mobilidade, sem que o fãs do filme original e os que o desconheciam se decepcionassem. Foi mantido também o humor em cima do jargão técnico na medida certa, de forma a não aborrecer os que os desconheciam.

A trilha sonora do Daft Punk está primorosa, bem como os efeitos sonoros. O roteiro, um pouquinho mais denso que o primeiro filme, mas sem ser filosófico demais, garante um a boa diversão. Há também referencias a outros filmes, como Matrix (que é posterior ao TRON original), Guerra nas Estrelas (com a piada – estragada pelo trailler – “eu não sou seu pai”) e o Mágico de Oz, e ao fime TRON original, colocando alguns detalhes, como Bit, como um objeto de decoração (como se nos dissessem: “nós não esquecemos, viu!?”)

O que decepciona um pouco, sem comprometer a qualidade geral, é o uso da tecnologia 3D. Com tantos objetos virtuais, poderiam ter ousado um pouco mais.

No enredo merecem destaque o uso de conceitos de IA para explicar determinados comportamentos das entidades virtuais em oposição aos seres humano, sobretudo no final e o desenvolvimento de “vida” virtual paralela a partir de código espúrio (os ISO).

Curiosidades Nerd:

No filme, TRON é o nome de um personagem que representa uma rotina de ajuda ao usuário. O termo é uma abreviatura de TRACE ON, uma instrução do BASIC (linguagem de computação popular nos anos 80) e permite ao programador acompanhar o que está acontecendo a cada instrução que executada, mostrando seu resultado em tela, em forma de texto.

As referencias ao Mágico de Oz são várias, porém os roteiristas tentaram deixar mais marcado colocando o mundo real em 2D e o virtual em 3D (como no filme com Jud Garland: preto e branco versus colorido).

Há referencia também ao jogo de Go, originário da China, que é jogado sobre uma grade, colocando-se as pedras nos pontos de junção entre duas linhas. Kevin luta contra o vilão como se estivesse jogando Go (há um tabuleiro em sua sala), usando a estratégia de esperar o movimento do adversário, colocando-se indefinidamente em defesa. Isso normalmente irrita o adversário e o faz se precipitar.