sexta-feira, 22 de agosto de 2014

Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? – Blade Runner para ler com prazer


Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? 
Título original: Do androids dream of eletric sheep?
Autor: Philip K. Dick
Tradução: Ronaldo Bressane

Sinopse: Rick Deckard vive numa Terra decadente, onde após uma guerra nuclear, boa parte dos humanos emigraram para colônias espaciais e a maioria dos animais morreu, transformando-se em produtos de luxo. Seu sonho é possuir um animal verdadeiro. Sua profissão é “caçador de recompensas” e ele persegue e “aposenta” androides. Recebe como missão perseguir e aposentar seis androides fugitivos de Marte e vê nesta caçada a possibilidade de realizar seu sonho de ter um animal verdadeiro. Mas, as coisas não saem exatamente do modo que deseja.

Durante muito tempo tive receio de ler o livro pois tinha medo de ver destruída a minha excelente impressão do filme Blade Runner, baseado neste livro ou que a minha visão do filme fizesse desgostar do livro.

Não aconteceu nem uma coisa nem outra. Como o próprio Philip K. Dick disse, após ver um trecho do filme ainda em produção, os dois trabalhos se complementam.

O filme dá uma dimensão maior aos personagens Deckard (o caçador de androides), Rachel (a androide quase – ou mais que – humana) e Roy Bat, o líder dos androides fugitivos.


Rachel, mais humana que androide

O Deckard do livro é uma pessoa comum, com uma vida medíocre e a única coisa extraordinária (que ele trata como algo muito burocrático) é sua profissão. Roy Bat apesar de sua inteligência e de certa forma sensibilidade, seria incapaz de proferir aquele discurso do final filme e Rachel do livro não consegue passar sua humanidade como no filme.

Deckard, frieza burocrática ao aposentar androides.

Por outro lado, no filme a preocupação metafísica – que é bastante intensa no livro – está quase ausente e mostrada de um jeito diferente (concentra-se na busca do “criador” por parte dos androides). No livro, há uma espécie de religião chama mercerismo, onde todos se conectam através de um caixa de empatia a Mercer, um messias que sofre para  que todos sofram juntos e compartilhem emoções.

Mercer é um velho que sobe uma colina e é apedrejado por inimigos invisíveis e as pessoas quando a ele conectadas sentem seu sofrimento e as emoções de cada pessoa envolvida. Aliás, a empatia é o sentimento que distingue um ser humano de um androide e a busca por empatia é o que move os androides liderados por Roy.


Tanto no filme como no livro os androides buscam a transcendência

Está ausente no filme o programador de emoções de Penfield. É um aparelho em que você escolhe num menu o tipo de emoção que quer sentir no momento. Em geral, as pessoas “vestem” emoções convenientes, como alegria se estão em casa ou senso de responsabilidade profissional se estão indo trabalhar. Entretanto Iran, esposa de Deckard  (personagem ausente no filme) um dia, ao tomar consciência de sua condição de morar num mundo decadente, em vez de “felicidade” escolhe “depressão”, que segundo ela, era o que deveria estar sentindo realmente.

Há também a questão do “bagulho”. Na visão de Isidore (no livro um simples motorista que recolhe animais artificias com defeito) o bagulho seriam objetos inanimados que se multiplicam e destroem o mundo a sua volta, uma explicação ingênua para a deterioração entrópica do mundo em que está vivendo.

O mundo de Dick é um mundo onde o artificial expele o natural e hipocritamente destrói os androides, que paradoxalmente anseiam por humanidade. Isso também está no filme, mostrado de outra forma.


Um mundo onde o natural é expulso pelo artificial

Atenção Spoiler!

O ponto alto do filme é a perseguição dos androides no prédio onde mora Isidore. No livro há perseguição, mas sem a emotividade das cenas do filme e a morte de Roy é patética, como se fosse mais uma “aposentadoria” feita por Deckard.

O termo em inglês é “retire”, que significa também “retirar”. Em português não há esta ambiguidade. O segundo significado da palavra aposentar (colocar em um aposento) há muito não é utilizado. Nas versões do filme traduzidas (tanto dubladas como legendadas) a que assisti, o termo empregado é “remover”. O uso deste termo em vez de ser um eufemismo para “matar” coisifica o androide e acaba sendo mais forte que o inglês “retire”.

Na tradução do livro preferiu-se o termo “aposentar”, para manter a ironia original do texto em inglês, embora a ambiguidade seja intraduzível.

O livro se prolonga um pouco mais como um encontro em um deserto de Deckard com Mercer onde o caçador se descobre humano. Uma cena bem feita onde praticamente o imaginário e o real se reconciliam. 

O final também é “sem sal”. Decarkd volta para a casa e para sua esposa e apenas quer “uma longa e merecida paz”, que, em muitos idiomas, soaria como uma metáfora para morte.

Extras

O livro possui três adendos: uma carta de Philip K. Dick elogiando a adaptação e prevendo o caráter revolucionário do filme, sua ultima entrevista e uma analise do livro muito bem elaborada feita por Ronaldo Bressane.

Conclusão 

Realmente o livro e o filme se complementam e Blade Runner é uma das melhores adaptações para o cinema de um bom livro. 

Com certeza vale o conselho que normalmente aparece em publicidade de filmes: veja o filme, leia o livro e ouça a trilha sonora.

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Livro: Androides Sonham com Ovelhas Elétricas? Philip K. Dick,. Editora Aleph.
Filme: Blade Runner - O caçadore de Androides. Versão definitiva
Trilha sonora: Blade Runner. Vangelis. 

sexta-feira, 1 de agosto de 2014

Guardiões da Galáxia - Aventura e Humor da Marvel

Guardiões da Galáxia
Título original: Guardians of the Galaxy
Direção: James Gunn
Roteiro: James Gunn, baseado em Guardiões da Galáxia de Dan Abnett e Andy Lanning
Elenco: Chris Pratt. Zoe Saldana, Dave Bautista, Vin Diesel (voz de Groot), Bradley Cooper (voz de Rocket), Lee Pace. Michael Rooker, Karen Gillan, Djimon Hounsou, John C. Reilly, Glenn Close, Benicio Del Toro
País de Produção:  Estados Unidos
Ano: 2014

Sinopse: Um aventureiro ladrão, Peter Quill, também conhecido como Star Lord,  rouba uma esfera chama Orbe de um templo em ruínas. Mal sabe ele que este orbe não um objeto simples que pode ser negociado como uma peça de coleção. Ele é ambicionado pelo maligno Ronan, um  um rebelde do planeta Kree que deseja destruir Xantar, um pacífico e próspero planeta. 

Em busca de um comprador, Quill acaba sendo preso junto com Gamora, um aliada de Ronan, interessada em roubar o Orbe para si própria, o caçador de recompensas Rocket (um guaxinim inteligente) e seu companheiro Groot (uma árvore falante) e um maníaco assassino chamado Drax.

Esse improvável grupo é formado durante uma fuga desastrada da prisão e vai enfrentar Ronan.

Grupos assim, formados por desqualificados, que se unem apenas para um tentar espoliar o outro, pululam no cinema desde Os Doze Condenados. A diferença aqui é que a história é jogada literalmente pro espaço e a fantasia fica à solta (temos uma árvore falante ao lado de um guaxinim inteligente, quer mais?), temperada por uma boa dose de humor, para o deleite da plateia.



Você vai encontrar todos os clichês do gênero, inimigos egocêntricos que são transformados ao longo da aventura em companheiros de batalha, discursos motivadores, romance de um sujeito mulherengo com uma aventureira avessa a homens conquistadores, ambição e desejo de vingança transformados pelo desejo de suplantar um mal maior.

Entretanto, o humor e a aventura estão bem casados e tornam o filme muito divertido, mas como sempre, não espere fidelidade aos quadrinhos.

Nota dez para a animação de Rocket (o guaxinim falante). Os movimentos são naturais e chegamos a esquecer o que ele é ao longo do filme tanto quanto esquecemos que o Mickey é um rato.

Aguarde o final dos títulos. Como todo filme da Marvel, sempre há um easter egg. Lembre-se porém que este é um filme de humor.


trailler

segunda-feira, 28 de julho de 2014

Duas obras fundamentais de Edgar Allan Poe e H. G. Wells em ebooks

Autor: Edgar Allan Poe
Título Original: The Murders in the Rue Morgue
Tradução: Zé Oliboni
Editora: Balão Editorial (e-book)
Ano: 2014

Sinopse: Duas mulheres, mãe e filha, são brutalmente assassinadas num apartamento na Rua Morgue. As circunstâncias do crime deixam a polícia desnorteada até que o detetive Dupin resolve o mistério.

Esta foi a história que inaugura o gênero policial. Poe cria não só uma excelente história, como dá as suas diretrizes, que depois serão aperfeiçoadas por Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes: um detetive genial e excêntrico, um narrador que é seu amigo, uma policial diligente, mas incompetente e uma trama bem engendrada. Poe, no início do conto, compara este tipo de trama como jogo de whist, onde contrariamente ao xadrez, a atenção se dirige não só ao jogo, mas também aos jogadores. O jogo de whist hoje em dia não é muito praticado, mas se quisermos manter a comparação, podemos imaginar como equivalente o poker.

Atenção, spoiler!

A história em si foi citada em Um Estudo em Vermelho, primeiro livro onde aparece Sherlock Holmes, que a critica abertamente, qualificando-a como primária. Porém, Conan Doyle “cola” uma de suas cenas, quando Dupin “lê os pensamentos” de seu amigo. Sherlock também “lerá” os de Watson, seguindo mais ou menos o mesmo processo.

Se analisarmos do ponto de vista de hoje, em alguns aspectos, podemos dar razão a Sherlock, por exemplo o interrogatório onde há testemunhas de várias nacionalidades, uma situação pouco provável, mesmo numa cidade grande e cosmopolita como Paris.

Entretanto, a solução que Dupin deu para o mistério do quarto trancado merece respeito (copiado também por outros autores policiais, com muitas variações).

Além disso, Os Assassinatos da Rua Morgue tem elementos do gênero em que Poe era mestre, as histórias de horror: a brutalidade do crime descrita em detalhes mórbidos e o bizarro assassino.

Os Assassinatos da Rua Morgue merece ser lido pelos leitores modernos por seu pioneirismo e pela qualidade do texto.

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Autor: H. G. Wells
Título original: The Story of the Late Mr. Elvesham
Tradução: Flávia Yacubian
Editora: Balão Editorial (e-book)
Ano: 2014

Sinopse: Edward Eden encontra-se com Elvesham, um velho professor de filosofia, que lhe oferece a possibilidade dele herdar todos os seus bens quando o filósofo se for, aparentemente em troca de nada. Eden descobrirá que o preço é alto demais.

H. G. Wells é um dos pioneiros da ficção científica. Seu foco sempre foi o indivíduo em sociedade mais que a ciência em si, tanto que é considerado o pai do gênero soft. E este conto não foge a este parâmetro. Tanto que a parte científica em si é apenas usada pra explicar o estranho fenômeno a que Eden é submetido. Poderia ser substituído por magia sem que o enredo sofresse qualquer alteração.

Estão em foco duas ambições: por bens materiais e por vida eterna. Ambas obtidas a custa de outrem por meio do engano.

Como esta história é protótipo de várias outras que vieram depois, um leitor mais experiente pegará o que vai acontecer lá pelo terceiro parágrafo, porém, mesmo assim a história se sustenta pela caracterização dos dois personagens, pela forma de escrever de Wells e sobretudo pelo final irônico e, de certa forma, surpreendente.

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quarta-feira, 16 de julho de 2014

Noturno – Trilogia da Escuridão Volume 1

Noturno – Trilogia da Escuridão Volume 1
Autor: Guilhermo del Toro, Chuck Hogan
Título Original: The Strain
Tradução: Sérgio Moraes Rego e Paulo Reis
Editora: Rocco
Ano: 2009

Sinopse: Noturno é o primeiro livro da série Trilogia da Escuridão. Chega ao Aeroporto Internacional JFK, em Nova Iorque, um avião que pousa em completo silêncio. A tripulação não responde a nenhum chamado, o que faz o avião ficar sob suspeita. Inicialmente de um sequestro, depois, de alguma doença ou ataque biológico. Ephraim Goodweather, especialistas em ameças biológicas, é chamado para coordenar as operações de abertura e investigação do avião possivelmente infectado.

Embora os autores pretendam fazer suspense, o leitor já sabe o que vão encontrar: cadáveres. O avião silencioso lembra a chegada do navio de Drácula. Então também devemos suspeitar que ele também levou um caixão com um vampiro secular.




Sem me preocupar com possíveis spoilers, já digo: é isso mesmo. E é o que o leitor espera, desde que leu a contra capa do livro. E terá em doses nada homeopáticas. Rapidamente a cidade de Nova Iorque estará infestada por vampiros. 

A mente lógica de Ephraim no início não consegue atinar com o que está acontecendo, embora de quando em quando se lembre de enredos similares de velhos filmes de terror. 

Contudo Ephraim terá um aliado, Abrahan Setrakian, um judeu sobrevivente de um campo de extermínio. Ele conhece a lenda de Sardu, que a avó lhe conta deste tenra idade, um menino gigante e desengonçado, que se torna forte e mau.

A história é contada carregada de suspense e cenas de terror cru. Isso é temperado com alguns dramas pessoais de alguns personagens: o roqueiro drogado, a mulher insegura, a mulher vítima de violência doméstica, mexicano marginal apegado à mãe, a obsessão de Setrakian em perseguir e matar Sardu e o próprio protagonista, em disputa com ex-mulher pela guarda do filho.

Aliás, este último drama é um ponto fraco da história, já que muitas vezes repetido em filmes americanos, como se o único conflito possível fosse problemas de divórcio de um casal com filhos pré-adolescentes. E este conflito está aí para dar a motivação e justificar algumas atitudes temerárias e até estúpidas de Ephraim.

Noturno não é nem pretende ser uma renovação do gênero. Apenas atualiza e contextualiza nos dias de hoje a lenda milenar. Dá uma boa explicação biológica e não sobrenatural para a transformação, mas mantém a prata como elemento essencial no combate ao vampiro.

Há um bom gancho para o próximo volume, embora o clichê de “quase matamos o monstro, mas ele é mais forte do que supúnhamos” esteja presente.

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Noturno – Trilogia da Escuridão Volume 1. Editora Rocco. Livraria Cultura.

sábado, 21 de junho de 2014

O Homem Duplicado

O Homem Duplicado
Título Original: Enemy
Direção: Denis Villeneuve
Roteiro: Javier Gullón, baseado no romance “O Homem Duplicado” de José Saramago
Elenco: Jake Gyllenhaal, Sarah Gadon, Mélanie Laurent, Isabella Rossellini, Stephen R. Hart
Produção: Canadá / Espanha
Ano: 2013 (estreou em 19/06/2014 no Brasil)
Duração: 90 min

Sinopse: Adam Bell (Jake Gyllenhaal) é um professor universitário que tem sua vida monótona abalada quando, a partir de uma cena de um filme em DVD, ele constata que um ator e terceira,  Anthony St. Claire (representado também por Jake Gyllenhaal) tem a fisionomia idêntica à sua. Então, achar este ator vira uma obsessão, com resultados trágicos para ambos.

O filme é uma grande metáfora sobre a desumanização imposta pela cidade grande a seus habitantes, sentida pelo cenário cinzento de Toronto, muito similar a São Paulo (ou qualquer outra grande cidade). O único colorido mais forte vem justamente dos filmes em DVD que Adam assiste.

Ironicamente, Adam como professor de história repete uma aula que trata justamente dos padrões históricos que se repetem, com ênfase no uso de formas de controle da população. No entanto, ele mesmo está preso a padrões, seguindo uma rotina diária: vai à universidade, dá sempre as mesmas aulas e faz sexo quase que mecanicamente com a namorada.

Seu alter ego, Anthony, também está preso a padrões, apesar do relativo sucesso financeiro e estar casado com uma bela mulher, Hellen (Sarah Gadon): fez apenas três papéis insignificantes, sobrevive profissionalmente como modelo e tem um relacionamento superficial com a esposa.

Paralelamente, desde o começo do filme somos confrontados com cenas oníricas, que lembram “De olhos bem Fechados” de Kubrick: um espetáculo erótico sombrio, até doentio, que ficamos em dúvida boa parte do filme sem saber se aquilo é real ou o sonho de um dos dois, mas que será fundamental para o desfecho da trama.

Para complicar ainda mais, algumas cenas são flash backs (como uma interrupção da relação sexual feita pela namorada de Adam), que não parecem ser flash backs no momento em que são apresentadas, pois podem ser parte da sequência lógica do filme e só percebemos isso perto do final.

Atenção! Spoiller:
Quando Adam tenta contatar Anthony pela primeira vez quem atende o telefone é Hellen. A partir daí ela ganha um papel crucial na trama. Hellen procura Adam sem revelar quem é e isso vai despertar um ciúme doentio em Anthony, que busca se vingar.




Comentar mais seria tirar o sabor da trama, que vai se conduzindo até uma desfecho surpreendente e assustador.

Jake Gyllenhaal representa soberbamente seus dois papéis: Adam, inseguro e tímido e Anthony, arrogante e violento, reforçando estes comportamentos com posturas corporais e tons de voz distintos.

A concepção da trama tenta fazer transcender do drama pessoal de Adam/Anthony para o universal: todos nós somos ninguém, presos numa teia a merce de um poder supremo e impessoal que nos devora, chamado civilização.


trailer



Detalhe Nerd (um ligeiro Spoiler)

A aranha que aparece no cartaz dominado a paisagem e em uma das cenas do filme é uma das aranhas de ferro fundido da escultora francesa Louise Bourgeois. Uma delas está em exposição no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), localizado na Grande Marquise do Parque Ibirapuera.

Aranha de Louise Bourgeois

As aranhas (reais e imaginárias) tem um papel simbólico importante no filme, com vários significados, inclusive a representação que Louise Bourgeois pretendeu evocar com suas esculturas.

Quer saber qual é? Veja o filme, depois pesquise!


terça-feira, 20 de maio de 2014

Mary Shelley e Guy de Maupassant em e-books

O Mortal Imortal
Título Original: The Mortal Immortal
Autor: Mary Shelley
Tradução: Guilherme Kroll
Editora: Balão Editorial
Ano: 2014
Edição eletrônica


Sinopse: Um homem de mais de 300 anos conta sua história, de como ele chegou à condição de uma provável imortalidade.

De autoria de Mary Shelley – famosa por Frankstein, este conto se insere na tradição de histórias de humanos que se tornaram imortais e a benção duvidosa que logo se torna uma maldição. Isso é deixado claro logo no primeiro parágrafo da história e o conto se concentra no como o personagem adquiriu o malfadado dom, seu sofrimento e seu desejo maior de alcançar a morte.

Vale a leitura pelo texto quase poético de Mary Shelley, o personagem muito bem caracterizado e como uma introdução ao terror gótico. 

Enriquecem o texto notas de rodapé dos editores, que buscam contextualizar alguns pontos do conto.


No Mar 
Titulo Original (francês): En Mer
Autor: Guy de Maupassant
Tradução: Flávia Yacubian
Editora: Balão Editorial
Ano: 2013
Edição Eletrônica


Sinopse: Obra de Guy de Maupassant, que deu origem à HQ O Pobre Marinheiro, é a história da desventura de um rapaz que perde o braço a serviço de seu irmão em um navio pesqueiro. A atitude do irmão e a determinação mórbida do jovem marinheiro dão o tom da história.

O que está em jogo aqui são as motivações dos dois irmãos, em especial do mais novo. Um conto típico de Guy de Maupassant, que sabe captar o lado mais sombrio do ser humano.

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Ambos os livros estão sendo vendidos por cerca de um real na Amazon, no formato Kindle e na Cultura e em outras livrarias que vendem e-books, no formato epub (compatível com o Kobo)

O Mortal Imortal, Balão Editorial, formato epub
O Mortal Imortal, Balão Editorial, formato kindle

No Mar, Balão Editoria, formato epub
No Mar, Balão Editoria, formato kindle

Uma boa oportunidade para conhecer estes dois autores clássicos em duas excelentes traduções.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

A Mão Esquerda da Escuridão

A Mão Esquerda da Escuridão
Título original: The left hand of darkness
Autor: Ursula K. Le Guin
Tradutor: Susana Alexandria
Editora:  Aleph
Ano: 2008
Páginas: 296

Sinopse: Ai Genly é um terráqueo em missão em um planeta distante e gelado, Gethen, também conhecido por Inverno. Ele está ali para convencer os governantes das várias nações a aderirem a uma comunidade interplanetária. Lá ele busca contato com as duas nações mais importantes, uma monarquia absolutista, Karhide,  e uma república burocrática estatal semelhante à União Soviética stalinista, Orgoreyn. Diplomata acostumado à diferenças políticas, Ai ainda tem que se adaptar à biologia dos habitantes. 

Os nativos do planeta Inverno tem uma biologia única: são andróginos. A maior parte do tempo apresentam um gênero neutro e quando entram num período de kemmer, uma espécie de cio, onde o ser andrógino pode assumir tanto o sexo masculino como o feminino.



Genly tem dificuldades com esta forma de biologia, estando sempre com “um pé atrás”, como se lidasse com homens efeminados. Esta reserva o impede de ver que um possível aliado, Estraven, está realmente interessado em ajudá-lo no cumprimento da missão. 

A questão mais importante levantada no livro é justamente a questão de gênero. Para os habitantes do planeta Inverno, Ai é uma aberração ou um pervertido, pois seres que tem um único sexo neste planeta são tratados como anomalias, da mesma forma que os homossexuais em culturas com alguma forma de homofobia. Ele também é negro, o que é estranho para os habitantes de Inverno. Num dos diálogos, o rei de Karhide pergunta se todos os habitantes da Terra são negros como ele. Assim também ele é visto com desconfiança pelos governantes de Inverno e ele é usado como peça de manipulação de jogos políticos internos em Karhide e  Orgoreyn, ou como trunfo numa espécie de guerra fria entre as duas nações (que não conheciam outra forma de guerra).

O frio invernal é um recurso da autora para colocar uma justificativa plausível para o comportamento dos habitantes, acostumados a um frio realmente glacial, o que os torna lentos em tomarem decisões e no processo evolutivo tecnológico (segundo Ai, na Terra todos tem pressa), que não os levou a invenção de veículos aéreos. E também como uma metáfora muito bem empregada para a Guerra Fria e para as relações entre Ai e os habitantes (a frieza do distanciamento num momento e a aproximação pela necessidade de calor, tanto afetivo como físico, em outro), em especial, Estraven.

A autora trabalha muito bem a questão da mudança de visão do personagem Ai, após uma travessia em um deserto de gelo junto com Estraven, onde diferenças tanto biológicas como culturais são superadas pela necessidade de sobrevivência.

O título é muito bem escolhido. A “mão esquerda da criação” na mitologia judaico-cristão mais arcaica é uma metáfora pra a mão de Lúcifer, que deu forma ao mundo material, criando as condições para o homem evoluir. Seria o inverso da mão de Deus, que cria o Paraíso, onde o homem é completamente feliz, mas não evolui. Lúcifer comandaria a Escuridão e Deus comandaria a Luz. A Mão Esquerda da Escuridão, seria o completo avesso, o inverso do inverso, pois a esquerda escuridão seria novamente a luz. Assim, a luz e as trevas se complementando, se materializando primeiro nos habitantes andróginos do Planeta Inverno, na polarização política em oposição a uma união e, por fim, na relação de Estraven com Ai.

Ursula consegue, sem fazer nenhum discurso, colocar-se frente a várias questões, entre elas: nacionalismos estúpidos, xenofobia, preconceito racial, sexismo e homofobia.

Uma observação: o livro é narrado sob vários pontos de vista. Genly, Estraven e lendas transcritas. Por causa da visão de Ai, que é um homem, temos a impressão de que todos os personagens são homens. Isso é reforçado pela língua portuguesa que tem muita flexão de gênero até para objetos inanimados. 

Pelo menos para mim, a visão não muda quando Estraven passa a ser o narrador. Não sei se isto é pela forma de narrar, pela tradução ou por uma questão minha enquanto leitor masculino. 

Um livro excelente!

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A Mão Esquerda da Escuridão. Editora Aleph. Livraria Cultura.

sábado, 26 de abril de 2014

Dystopia – Escolha o que de pior pode acontecer a humanidade

Dystopia
Organização: Cândido Ruiz
Autores: Aliah, Tânia Souza, Flavio Medeiros Jr, Gerson Lodi-Ribeiro, Jean Canesqui, Paulo Fodra
Editora: Taberna Selo Editorial (edição eletrônica)

Sinopse: Antologia de contos em futuros distópicos, onde seja onde a realidade futura é retratada de maneira pessimista, com cenários pós apocalípticos ou estados totalitários.

Uma das tradições da ficção científica é retratar o futuro como uma projeção pessimista do presente.  Nesta tradição, insere-se 1984 e Admirável Mundo Novo e no cinema a referência é Matrix. 

Esta antologia procurou reunir seis visões bem distintas de futuros. 

Pizza de Drone-Patinho – Alliah

Alliah retrata o cotidiano de uma caçadora de zumbis, que usa uma foice para este fim. Esta arma tem o mesmo valor do crucifixo para os cristãos, pois foi o instrumento que serviu para a morte do deus Arkhalial cultuado nesta época. A caçadora é muito mal paga pelo que faz, pois na hora que tem fome só tem dinheiro para pedir uma pizza requentada que lhe será entregue por meio de um drome em forma de patinho de banheira. Isso é um sinal de que  teremos um conto recheado com o humor corrosivo de Alliah, sua marca registrada. Divertido e niilista.

Um Beija-Flor de Bronze não gosta de flores cruas – Tânia Souza

Neste conto que podemos classificar como pós-humano, Tânia de Souza conta a história de um caçador de recompensa que deve recuperar informações em chips implantados numa deusa artificial, uma mulher geneticamente modificada e chipada, com poderes telepáticos e premonitórios. O cenário é uma nova Brasília onde todo o tipo de marginal se abriga, em busca de uma suposta liberdade. Emocionante e intrigante.

Monstros Genocidas – Flavio Medeiros Jr

Um planeta está sendo ameçado por um gigantesco devorador de mundos e dois caçadores são chamados para tentar enfrentá-lo. Estes dois caçadores são rivais e em vez de reunirem esforços, brigam pelo privilégio de matar o monstro. Um conto pontuado pelo humor negro, sobretudo no seu desfecho.

Artes de Camaleão – Gerson Lodi-Ribeiro

Num mundo futuro, humanos remanescentes de uma possível catástrofe planetária disputam espaço com alienígenas e prováveis mutantes, oriundos de mundos anteriormente colonizados.

Os humanos sobreviventes teriam sido congelados em um passado remoto e alguns poucos foram descongelados e são discriminados, recebendo a alcunha de “picolés”. Um agente infiltrado busca ganhar confiança num grupo de piratas. Uma boa aventura, com um final surpreendente, embora inconclusivo.

Severina – Jean Canesqui

Severina é uma ativista num futuro distópico onde a humanidade esta dividida em duas camadas: o que vivem no solo e o que estão longe dele e podem desfrutar do espaço aéreo. Muito bom. O autor deixou o melhor para o final da história e um ponto a ponderar: às vezes a fraqueza é sua melhor força e onde reside sua força, pode ser sua fraqueza. 

Iluminação – Paulo Fodra

Nirvana é o estado de iluminação dos budistas e também é o nome de um vírus que afetava implantes neurais no futuro distópico construído por Paulo Fodra. Todavia, como uma vacina, a doença pode ser uma cura.

Conclusão

Todos os contos são muito bons e conseguem retratar muito bem futuros distópicos por eles construídos. Percebe-se mesmo nos contos que não tem esse ponto como mote, a presença marcante de humor, quer nas falas dos personagens, quer nas descrições das situações. É como se os autores nos dissessem: se tudo está ruim, é melhor rir.

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Dystopia. Taberna Selo Editorial.

sábado, 5 de abril de 2014

Neblina e a Ninja


Neblina e a Ninja
Autor: Miguel Carqueija 
Editora: auto publicação no Recanto das Letras
Ano: 2013
70 páginas.


Sinopse: Num futuro longínquo, a humanidade, após ter destruído a biosfera, vive em subterrâneos. Neste mundo a produção de energia é vital. Ela é obtida a partir de cristais que, instalados em torres altas, retiram energia solar a partir da superfície contaminada. 

Neste ambiente, o poder está ligado ao controle destes cristais e roubá-los é o objetivo do crime organizado.

Para combatê-los o governo tem um programa que treina jovens superdotados para desenvolverem suas habilidades especiais e tem também um treinamento intenso em artes marciais. Para se protegerem, estes jovens usam disfarces. Entre eles está Neblina, uma moça esperta, inteligente e hábil. Ela é convocada para ajudar nas investigações de um assassinato de um diplomata romeno, para desespero da polícia local – eficiciente pra lidar com o dia dia a dia, mas incapaz de lidar com algo muito maior. Este crime é a ponta do iceberg, pois quem está por trás das operações é uma vilã extremamente inteligente e cruel, a Ninja.

Carqueija, como sempre compõe duas grandes personagens femininas, Neblina e sua sombra, a Ninja, que vão se enfrentado num ritmo cada vez mais intenso até o desfecho final, onde o autor mostra seu maior talento: uma precisa descrição de cenas de ação, com direito a uma luta corpo a corpo digna de filmes de artes marciais.

Os personagens secundários também merecem uma atenção especial do autor, sobretudo os policiais  que inicialmente fazem oposição a Neblina, vendo-a como intrometida, depois pouco a pouco vão aceitando-a como parceira. Aliás, Carqueija faz com que a entrada em cena dela seja realmente uma intromissão, fazendo com que o leitor num primeiro momento até dê razão aos policiais. Junto a isso está a forma de agir da heroína, que em vários momentos resolve agir sozinha, correndo vários riscos, para desespero de Madeira, o chefe das operações.

Além de enfrentar a oposição de Madeira e seus homens, Neblina tem como outro obstáculo a incompetência do Primeiro-Ministro Darci, apelidado de Jujuba, que administrou mal a construção das torres de energia e a sua segurança, usando medidas paliativas estúpidas que acabaram favorecendo os vilões e meteu os pés pelas mãos na solução do problema.

Dizer mais é dar spoiler. A noveleta é muito boa. Só senti falta de algo que levasse o leitor sentir um pouco da claustrofobia de um ambiente subterrâneo. Certamente se houvesse mais disso, o nível de urgência em combater os vilões ficaria um pouco maior. Mas isso não tira o brilho da narrativa.

Uma leitura bem divertida, cheia de emoções e reviravoltas. 

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Gratuito para baixar, no Recanto das Letras

sexta-feira, 28 de março de 2014

A Última Expedição

Autor: Olívia Maia
Editora: Draco
Ano: 2013
224 páginas

Sinopse: Após ter fracassado numa expedição à Antártida, Estevão recebe um convite para, junto com a antiga equipe, participar de uma missão para encontrar um médico desaparecido na Colômbia. Apesar de estranhar o pedido (já que eles acabaram de sair de um fracasso) e de as informações serem extremamente vagas, aceita. Tem início a uma busca que é seguida de perto por uma moça supostamente argentina e cedo descobrem que não estão envolvidos numa simples busca.

Soma-se a isso o drama pessoa de Estevão, que não fala com o pai – que também está na equipe – desde o fracasso da Antártida e as motivações ocultas do contratante, da garota argentina, de alguns membros da equipe e do próprio médico desaparecido.

Esses são os elemento de uma trama de mistério, que aos poucos vai se revelando ao leitor. Os personagens estão longe de serem heróis: estão carregados de frustrações, pensam em desistir várias vezes e não formam um time coeso. Até aí tudo bem, mas o que me incomodou deveras é que ele eram muito obtusos, a ponto de não perceberem o mais óbvio, qual a motivação do médico para desaparecer e qual o interesse em achá-lo por parte do contratante.

Numa história de mistério é normal o leitor ter mais informações que os personagens e um bom autor dá sutis sinais para que o leitor se sinta um pouco mais esperto que os personagens envolvidos. Por exemplo, Watson das histórias de Sherlock Holmes. Ele é inteligente o suficiente para acompanhar Sherlock e após a trama ser deslindada de compreender os passos da lógica, mas não é capaz de perceber alguns detalhes que amarram o raciocínio durante o processo de investigação. Mas o que ele não percebe são detalhes que um leitor mais atento consegue ver. Mas jamais deixaria de reparar em um elefante e foi isso que os personagens de A Última Expedição fizeram.

Quando eu percebi isso, ler o restante do romance foi difícil, ainda mais que narrativa é arrastada e com pouca ação até cerca de dois terços do livro, que coroa tudo com um final frustrante.

Quanto à forma, Olívia Maia algumas vezes termina as frases com uma conjunção ou preposição, lembrando phrasal verbs do inglês, ou frases truncadas quando o seu final é óbvio. Num diálogo às vezes dá a impressão de que as pessoas se interrompem umas às outras por agressividade ou cumplicidade (“eu já sei o que quer dizer”). Isso até que seria interessante se a leitura não estivesse se arrastando.

Ainda assim, o romance tem o mérito de criar um bom personagem: Estevão Timber, um perfeito anti-herói, que quer apenas sair da monotonia em que se transformou sua vida, reencontrar com o pai, recuperar a auto-estima e levar uma boa bolada de grana. Temos acesso a seus pensamentos íntimos e podemos acompanhar sua trajetória transformadora e talvez seja o único que lucrou alguma coisa além do dinheiro em toda a aventura.

Outro ponto positivo é ambientação bem feita de várias regiões da Colômbia e a presença de personagens locais bem feitos, que não parecem simples chicanos.


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terça-feira, 25 de março de 2014

Lobisomem sem barba

Lobisomem sem Barba - Balão Editorial
Lobisomem sem barba
Texto e Arte: Wagner Willian
Editora: Balão Editorial
Ano: 2014
352 páginas

Sinopse: formado por pequenos textos como se tirados aleatoriamente de postagens e comentários em blogs e redes sociais, este mosaico, formado por caquinhos aparentemente díspares, compõe uma história maior.

A primeira sensação que tive ao começar a ler Lobisomem sem barba é que alguém num acesso de fúria tivesse rasgado uma centena livros de HQs e pegado um punhado de papéis rasgados e me dado pra ler. Neste conjunto aparentemente caótico foi formando uma história na minha cabeça.

A leitura também pode ser comparada à leitura fragmenta que fazemos nas redes sociais, correemos os posts dos nossos amigos, às vezes sem relação entre si, observando o feed de notícias com o rabo dos olhos e de vez em quando respondendo alguma coisa no chat.

Sentimos que há algo estranho ocorrendo, pode ser um lobisomem, mas não vemos seu rosto para saber se tem ou não barba. E terminar a leitura não nos dá certeza alguma.

Recheado de citações à cultura popular, que vão do mangá Akira à Waldick Soriano (cantor brega dos anos 80, cujo maior sucesso era Eu não sou cachorro não), passando pelo Coelho Pernalonga e sua turma, ou a cultura mainstream, como Jung e van GoghLobisomem sem barba é uma leitura intrigante e que nos faz combinar lógica, intuição e imaginação para tentar alcançar um sentido maior do conjunto de fragmentos que temos à mão, não muito diferente de quanto tentamos entender a realidade em que vivemos.

Uma boa parte dos fragmentos é acompanhada por citação a uma música pop, MPB ou clássica, por exemplo Bang Bang, na voz de Nancy Sinatra, Essa moça tá diferente, de Chico Buarque e  Clair de Lune, de Debussy. Algumas podem ser ouvidas na lista de reprodução feita pelo autor no Youtube.



E há as ilustrações, do próprio autor, tão desconcertantes quanto o texto. Eu classificaria o Lobisomem sem barba como um desafio semelhante ao da Esfinge, decifra-me ou devoro-te.



Leia amostra do texto aqui.

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Lobisomem sem barba. Wagner Willian. Balão Editorial. Livraria Cultura

domingo, 23 de março de 2014

Jesus Cristo Super Star

Jesus Cristo Super Star
Autores: Andrew Lloyd Webber e Tim Rice. 
Tradução: Bianca Tadini e Luciano Andrey
Direção: Jorge Takla
Elenco: Alírio Netto (Judas), Igor Rickli (Jesus), Negra Li (Maria Madalena), Fred Silveira (Pilatos) e Wellington Nogueira (Herodes)
Temporada: de 14 de março a 08 de junho
Local: Teatro do Complexo Ohtake Cultural 
          Rua dos Coropés, 88 
          Pinheiros
          São Paulo - SP
Horários: quintas e sextas, às 21h; sábados, às 17h e 21h; domingos, às 18h
Duração: 130 minutos em dois atos (com intervalo de 15 min)

Sinopse: Musical que trata da última semana de Jesus Cristo na Terra, mostrando a relação de Judas, Maria Madalena e Cristo no ambiente político e religioso da época.



A peça centra-se mais na figura de Judas do que Cristo e procura retratar a sua visão. Judas vê Cristo como um homem que ganhou notoriedade e passou a acreditar no que diziam dele: inicialmente um rei e depois um deus. Interpretado soberbamente por Alírio Netto, Judas ganhou uma grande força como personagem.



Igor Rickli, que interpreta Cristo, o coloca numa perspectiva mais humana, como um homem que sente o peso de sua responsabilidade, recusando-se a ser um simples canal dos anseios do povo, traduzido no grito desesperado quando é cercado por pessoas pedindo milagres: “Curem a si mesmos!”.



Maria Madalena é magistralmente interpretada por Negra Li e mostra-se uma mulher que não sabe lidar com os sentimentos de amor misturado com a gratidão e o traduz como cuidado a uma pessoa que sofre como ela.

Mesmo os personagens secundários tem uma força considerável na trama, como Anás, Caifás, Herodes, Pilatos e Pedro, tornando a história atual, ainda que já tivesse sido contada milhares de vezes.



Nisso está o mérito de  Andrew Lloyd Webber e Tim Rice e da montagem feita por Jorge Takla. O diretor desta versão deu mais peso ao uso de guitarra, baixo e bateria, usou um figurino que remete aos dias de hoje, com o uso de coturnos, sobretudos que lembram Matrix e tecidos camuflados dentro de um cenário bastante despojado.

Como sempre, desde os anos 70, houve uma reação ensandecida de setores mais conservadores, que tentaram impedir a peça de ser estreada. 

Se estas pessoas se detivessem numa análise mais fria, notarão que o que se quer fazer é contar uma boa história, sem pretender ser iconoclasta, e que Andrew Lloyd Webber, Tim Rice e Jorge Takla trataram a figura de Cristo de forma até bastante respeitosa.



Jesus Cristo Superstar é uma peça excelente numa montagem bem dirigida e com atuações memoráveis tanto do trio principal como dos personagens secundários e até dos figurantes. Destaque especial aos músicos, que interpretaram magnificamente a partitura.