Título original: The left hand of darkness
Autor: Ursula K. Le Guin
Tradutor: Susana Alexandria
Editora: Aleph
Ano: 2008
Páginas: 296
Sinopse: Ai Genly é um terráqueo em missão em um planeta distante e gelado, Gethen, também conhecido por Inverno. Ele está ali para convencer os governantes das várias nações a aderirem a uma comunidade interplanetária. Lá ele busca contato com as duas nações mais importantes, uma monarquia absolutista, Karhide, e uma república burocrática estatal semelhante à União Soviética stalinista, Orgoreyn. Diplomata acostumado à diferenças políticas, Ai ainda tem que se adaptar à biologia dos habitantes.
Os nativos do planeta Inverno tem uma biologia única: são andróginos. A maior parte do tempo apresentam um gênero neutro e quando entram num período de kemmer, uma espécie de cio, onde o ser andrógino pode assumir tanto o sexo masculino como o feminino.
Genly tem dificuldades com esta forma de biologia, estando sempre com “um pé atrás”, como se lidasse com homens efeminados. Esta reserva o impede de ver que um possível aliado, Estraven, está realmente interessado em ajudá-lo no cumprimento da missão.
A questão mais importante levantada no livro é justamente a questão de gênero. Para os habitantes do planeta Inverno, Ai é uma aberração ou um pervertido, pois seres que tem um único sexo neste planeta são tratados como anomalias, da mesma forma que os homossexuais em culturas com alguma forma de homofobia. Ele também é negro, o que é estranho para os habitantes de Inverno. Num dos diálogos, o rei de Karhide pergunta se todos os habitantes da Terra são negros como ele. Assim também ele é visto com desconfiança pelos governantes de Inverno e ele é usado como peça de manipulação de jogos políticos internos em Karhide e Orgoreyn, ou como trunfo numa espécie de guerra fria entre as duas nações (que não conheciam outra forma de guerra).
O frio invernal é um recurso da autora para colocar uma justificativa plausível para o comportamento dos habitantes, acostumados a um frio realmente glacial, o que os torna lentos em tomarem decisões e no processo evolutivo tecnológico (segundo Ai, na Terra todos tem pressa), que não os levou a invenção de veículos aéreos. E também como uma metáfora muito bem empregada para a Guerra Fria e para as relações entre Ai e os habitantes (a frieza do distanciamento num momento e a aproximação pela necessidade de calor, tanto afetivo como físico, em outro), em especial, Estraven.
A autora trabalha muito bem a questão da mudança de visão do personagem Ai, após uma travessia em um deserto de gelo junto com Estraven, onde diferenças tanto biológicas como culturais são superadas pela necessidade de sobrevivência.
O título é muito bem escolhido. A “mão esquerda da criação” na mitologia judaico-cristão mais arcaica é uma metáfora pra a mão de Lúcifer, que deu forma ao mundo material, criando as condições para o homem evoluir. Seria o inverso da mão de Deus, que cria o Paraíso, onde o homem é completamente feliz, mas não evolui. Lúcifer comandaria a Escuridão e Deus comandaria a Luz. A Mão Esquerda da Escuridão, seria o completo avesso, o inverso do inverso, pois a esquerda escuridão seria novamente a luz. Assim, a luz e as trevas se complementando, se materializando primeiro nos habitantes andróginos do Planeta Inverno, na polarização política em oposição a uma união e, por fim, na relação de Estraven com Ai.
Ursula consegue, sem fazer nenhum discurso, colocar-se frente a várias questões, entre elas: nacionalismos estúpidos, xenofobia, preconceito racial, sexismo e homofobia.
Uma observação: o livro é narrado sob vários pontos de vista. Genly, Estraven e lendas transcritas. Por causa da visão de Ai, que é um homem, temos a impressão de que todos os personagens são homens. Isso é reforçado pela língua portuguesa que tem muita flexão de gênero até para objetos inanimados.
Pelo menos para mim, a visão não muda quando Estraven passa a ser o narrador. Não sei se isto é pela forma de narrar, pela tradução ou por uma questão minha enquanto leitor masculino.
Um livro excelente!
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A Mão Esquerda da Escuridão. Editora Aleph. Livraria Cultura.
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