terça-feira, 30 de julho de 2013

Terras Metálicas

Terras Metálicas
Autor: Renato C. Nonato
Editora: Novo Século – Coleção Novos Talentos da Literatura Brasileira
Ano: 2012
616 páginas

Sinopse: Após um conflito nuclear, a Terra foi contaminada e a humanidade se isolou numa esfera metálica subterrânea. Isso aconteceu a há alguns séculos, mas a memória dos tempos passados perdeu-se dos bancos de dados computador central durante um apagão provocado por uma sobrecarga. A crise também foi há muito tempo, e os atuais habitantes da esfera vivem sob a “ditadura benevolente” da Elite, que mantém a utopia, porém a custas de deixar o povo na ignorância do que realmente está acontecendo. Quatro estudantes, Raquel, Camila, Ângelo, Tales, descobrem que há algo errado e decidem investigar.

O enredo lembra muito Cidade das Sombras, filme levado às telas em 2008. Ao que parece, não é uma coincidência ou uma recriação, mas realmente boa parte da trama, de seu enredo e até o desfecho estão presentes no livro.
Ao autor, um alerta: você escreve bem, com habilidade e possivelmente teria condições de desenvolver uma trama própria. Se você gostou de um enredo e quiser explorá-lo você aproveitar algo dele, há sempre a possibilidade de haver algo diferente a ser visto. Por exemplo, se em vez de descobrirem que a Terra ainda é habitável, descobrissem que estão a deriva no espaço sideral. O final seria chocante em vez de esperançoso.
Se gostar de algo, olhe por outro ângulo. 
Apesar disso texto ainda assim guarda algumas coisas positivas:
Renato constrói uma boa aventura a partir destes elementos. A primeira coisa que ele nos mostra é a divisão de classes mediante as habilidades de mentalização, adquiridas logo após do que seria o final do primeiro grau. Estas habilidades são sondadas por meio de uma análise feita no momento da formatura. Um chip que amplia estas capacidades então é implantado.
As habilidades são:
  • Túnel, que manipula objetos à distância (telecinesia);
  • Sibério, que manipula temperaturas muito altas ou muito baixas;
  • Bio, que manipula o próprio corpo, mudando suas características físicas;
  • Antena, capacidade de leitura e manipulação de mentes;
  • Exilado, sem capacidades psíquicas, mas o único que pode trabalhar junto ao mainframe.

Antenas e Exilados representa extremos destas capacidades, sendo os Antenas considerados o máximo e os Exilados são tratados com desprezo e vão exercer funções menos nobres (por exemplos, todos os bedéis da escola são Exilados).
O grande momento da vida dos estudantes é a sua formatura. Eles não saberão quais são as suas habilidades até o momento de receberem o chip. As expectativas dos estudantes e suas ansiedades são bem exploradas no início do romance. O autor aproveita este momento para traçar o perfil de cada um dos envolvidos e tomamos contato com o grupo de amigos e o ambiente da Esfera, sobretudo da Academia, lugar onde frequentarão o curso que dará condições de usarem suas habilidades recém-adquiridas.
Aqui temos o primeiro mérito do autor: ele consegue recriar muito bem um ambiente acadêmico muito próximo de um nível superior ou de um curso de segundo grau técnico reais, desde as dificuldades com matérias básica e específicas, as rivalidades entre estudantes de cursos distintos, e as simpatias e antipatias entre estudantes. E também temos uma das falhas do autor: o que faltou aqui foi algum lugar que reunisse os estudantes, tipo um grêmio se pensarmos em lazer, ou um Centro Acadêmico, se pensarmos na organização política dos estudantes. E, junto com isso, a ausência de um posicionamento político dos estudantes, mesmo que incipiente. Isso fará falta para justificar o rápido envolvimento dos estudantes na tentativa de resolver o problema que vai se apresentar.
Outro mérito autor é a criação dos personagens. O autor procura afastá-los dos estereótipos, embora os principais personagens típicos de uma escola estejam lá: o rejeitado, a patricinha antipática, a rival, o desajeitado, o líder, o bedel chato, o professor exigente. Mas o que seria de uma escola, sem estes tipos?
Um destaque para os personagens femininos: em primeiro lugar, fugindo à maioria dos romances, a personagem principal é feminina: tudo é centrado na Raquel, que é inteligente, independente e ousada, não está motivada em encontrar “o amor de sua vida”, tem uma amiga (Camila) com quem troca ideias. Mais para frente, o grupo encontrará com Isabela, neta do grande Alastor, membro da Elite, que também é uma personalidade feminina forte, que sabe exatamente o que quer.
Além das pessoas, há um companheiro eletrônico, usado pelas meninas (pelo menos pelo que eu percebi no romance, os meninos não tem) chamado tashi, que se amolda a personalidade de sua dona. Trata-se de uma pequena esfera flutuante, dotada de inteligência artificial e de emoções humanas. Temos como personagens deste tipo:
  • Tashi, que pertence a Raquel;
  • Liceu, que pertence a Camila;
  • Sagitária, que pertence à rival de Raquel, a antipática Luana;
  • Nirvana, que pertence a Isabela.
Renato consegue ao longo do romance dar voz própria a cada personagem, humano ou máquina, inclusive levando em conta que pessoas diferentes, falam de forma diferente: cada um deles terá vocabulário, forma de construir frases e expressões favoritas diferentes.
A Esfera é uma boa metáfora para a civilização. A classe média e a Elite vivem uma utopia e ignoram o que existe na periferia da Esfera, as chamadas Áreas Afastadas, que vivem em uma situação, digamos, menos afortunadas.
Atenção! Spoiler!
Num determinado momento, surge uma crise, um retardo no mainframe. Esta informação é passada pela professora Olívia a Raquel. E como foi um retardo que causou a crise anterior, a menina não sossegará enquanto não souber a verdade. Sabe-se que as coisas já não estavam muito tranquilas, porque a boca miúda se falava de um grupo terrorista denominado A Facção.
Com o passar do tempo, o conflito vai se ampliando e a Facção começa a se mostrar, por meio de atentados cujo o objetivo é fazer com que a população perceba que há algo errado, que a utopia não é tão boa assim.
Renato não quer que sejamos simpáticos a Elite, pois com o avançar da crise, ela vai se tornando mais arbitrária, lançando mão de prisões ilegais e censura aos meios de comunicação. Tendemos num primeiro momento a ser simpáticos à Facção, já que ele sutilmente nos faz suspeitar de que Angelo, o Exilado da turma, seja alguém ligado a ela.
Mas logo a nossa simpatia é posta à prova, pois a Facção também “não é flor que se cheire”, já que lança mão de sequestro de cidadãos comuns e tem em seus quadros brucutus cuja função é intimidar pessoas. Este recurso (de não ter um “lado certo”) permite que o grupo transcenda tanto um e outro lado da luta e busque uma solução própria para o problema da Esfera.
Conclusão
O livro conta uma boa aventura, com personagens que, pelo menos para mim, são muito simpáticos e dá vontade de torcer por eles. Como ponto fraco, além do fato de ter uma trama pouco original, temos a maneira ingênua do autor lidar com a questão política, porém livros deste tipo ou a política está ausente ou é tratada de forma maniqueísta, quer o governo seja herói ou vilão e o autor pelo menos procura fugir a isso, embora percebamos uma ligeira tendência a ser favorável à Elite, tratada como um "mal necessário".

2 comentários:

  1. Nossa, que originalidade!

    http://pt.wikipedia.org/wiki/City_of_Ember

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  2. Caramba, você se aprofundou mesmo na história hein Álvaro, adorei a resenha! Eu não toquei muito nas questões políticas porque quis deixar o livro infanto juvenil, mas pode ter certeza que em futuras histórias ela estará presente!

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