Lilith - John Collier |
Para ser um pouco diferente, pretendo
neste post, mostrar uma personagem que é bastante
significativa no universo fantástico: Lilith.
Lilith é uma divindade babilônica
feminina, associada à noite e a lugares desertos. Os relatos nos
chegam através da visão hebraica do mito, que o demonizou. Os
hebreus tiveram um longo período sob domínio dos babilônios e
tendiam a ver os deuses de seus captores como algo extremamente
negativo.
Na tradição judaica medieval, Lilith
aparece como a primeira esposa de Adão, que se rebelou por não
aceitar a dominação masculina imposta por Javé e foi por isso
expulsa do Paraíso. Ela foi associada ao desejo sexual e aos sonhos
eróticos, considerados maléficos. A Igreja Católica reforçou este
mito, colocando Lilith como castradora e lider de uma legião de
demônios de natureza sexual, os íncubos (masculinos) e súcubos
(femininos). Ela também foi considerada esposa de Lúcifer ou de
Samael.
Lilith – Carl Poellath |
O interessante é que Lúcifer é
associado à Estrela D’alva, aparecendo nos primeiros minutos da
aurora e Lilith é um ser noturno e deve se recolher aos primeiros
raios de sol. Ela e seu amado só podem ser ver por breves instantes.
Esta ideia foi muito bem explorada no filme “O Feitiço de Aquila”.
Lilith começou a ser revista no século
XIX, pelos autores românticos, que viam nela o aspecto sedutor e a
expressão do desejo sexual feminino, encarado agora de uma forma
mais positiva.
Ela representa a parte feminina mais
selvagem da mulher, reprimida e impedida se manifestar, para que a
organização patriarcal se erguesse. Isso não foi feito
racionalmente nem de uma vez, mas ao longo de séculos, muitas vezes
de forma inconsciente.
Também a sua libertação se dá pela
necessidade da livre manifestação do desejo (de todos, homens e
mulheres), reprimido na era vitoriana, fazendo aparecer a mulher
fatal, que acende o desejo do homem, mas pode ser perigosa, mostrando
o medo de se libertar algo que não se conhece.
Lilith é vista como gênio mal da
lâmpada, que está revoltado por ter sido fechado e quer matar seu
libertador, apesar de ter o poder de realizar todos os desejos dele.
Assim, na visão temorosa, ela terá que continuar contida ou libertada mediante um
acordo.
Nós (a maioria dos homens e muitas
mulheres) tememos Lilith, por não sabermos quem ela é de fato. Ao
tentar analisá-la, ela parece fugir, é arredia e escrever sobre ela
parece difícil. Dizem que ela foge das palavras, pois as palavras
são um atributo de Javé, o Deus patriarcal. Ensaios acadêmicos não libertam Lilith, apenas tentam analisá-la, dissecá-la, e depois prendê-la no Logos.
Quem quiser escrever
sobre ela terá que procura as palavras com auxílio da bruxa (outro
termo demonizado), pois a bruxa também tira poder das palavras,
através dos encantamentos (em inglês, uma das palavras para feitiço
é spell, que também significa 'soletrar'). Um dos motivos da
perseguição às bruxas é porque elas dispunham de um poder que
rivalizava com o poder estabelecido. Simbolicamente, o poder da
palavra, no sentido da palavra ser criadora. Para o poder dominante,
bruxas apenas praguejavam ou amaldiçoavam, criando somente o mal. De
certa forma este preconceito ainda persiste, colocando a fofoca como
um atributo apenas feminino. Um dos sinônimos para fofoca é fuxico,
palavra que também significa
“trabalho manual feito com retalhos de pano”. Normalmente este
trabalho é feito por várias mulheres reunidas.
O caminho é a Arte. Nela
domina o hemisfério direito, o lado feminino da mente. Pode-se fazer
poesia, escrever um conto fantástico, criar uma música que a
retrate ou pintá-la. Ou fazer um encantamento.
Muitas vezes Lilith é representada
como um vampiro, um ser que tem a mesma ambiguidade que ela. Na
tradição hebraica, às vezes ela é chamada de “bebedora de
sangue”, um insulto associado à proibição judaica de se abster
de sangue.
O vampiro representa a sedução e o
perigo juntos. Alguém que oferece algo desejável, mas que tem um
alto preço. A mesma imagem de Lilith. Ela oferece o prazer livre de
culpa e o preço sermos expulsos do Paraíso. Psicologicamente nos
tira do sonho infantil e nos coloca na realidade. Por isso Lilith é
associada à serpente que tentou Eva. Perdemos o Paraíso, mas ainda que aqui seja "o Vale de Lágrima", aqui podemos evoluir.
Fugidia, nos assustando, ainda
assim deve ser libertada. Quando ela vier à luz em sua totalidade
veremos o quão bela é e podemos finalmente respirar aliviados.
Gostei do post e estou repassando para minha 'nerd' filha, que há tempos vem insistindo para que eu leia algo sobre Lilith. Seu blog me deu esta chance e te agradeço.
ResponderExcluirQue bom que este artigo foi útil! Um grande abraço!
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