A Máquina Fantástica
Título Original: La invención de Morel
Tradução: Vera Neves Pedrosa
Autor: Adolfo Bioy Casares
Editora: Círculo do Livro
Ano: Da edição do Círculo do Livro: provavelmente 1975. Do original argentino: 1940
144 páginas
Sinopse: Um fugitivo (de quem não sabemos o nome) refugia-se numa ilha onde anos antes foi construído um hotel-museu, há muito abandonado, que lhe serve de alojamento. Subitamente chega um navio, que o obriga a deixar o local. Observando as pessoas que desembarcam na ilha, o fugitivo percebe que não são seus perseguidores, mas um improvável grupo de turistas que age como se o hotel nunca tivesse sido abandonado.
Tem início um mistério que o fugitivo irá tentar solucionar. Sua motivação para isso é que se apaixona por uma mulher do grupo de quem tentara infrutiferamente se aproximar, pois ela, como todos os outros turistas, parece ignorar completamente sua presença.
Jorge Luiz Borges, no Prólogo, classifica esta narrativa como tendo uma “trama perfeita”: o mistério é revelado pouco a pouco de forma consistente e coerente e, contudo, o desfecho nos surpreende e, de certa forma, nos assusta. Como se disse certa vez de O Médido e o Monstro, de Robert Luis Stevenson: a resolução do mistério, ao contrário da catarse esperada, é mais horrível que o próprio mistério. Porque simplesmente nos faz ficar pensando numa questão (filosófica ou psicológica) que nunca demos conta.
Outro mérito de Casares é sua linguagem. Somos fisgados desde a primeira frase: “Hoje, nesta ilha, acontece um milagre: verão adiantou-se.” Duas frase depois já se inicia a aventura e o mistério: “Pela madrugada, um gramofone despertou-me. Não pude voltar ao museu, para buscar as coisas. Fugi pelos barrancos. Estou nos baixios dos sul, entre plantas aquáticas, indignado pelos mosquitos, com o mar ou córregos sujos até a cintura, vendo que antecipei absurdamente a minha fuga.” E o parágrafo ainda nem terminou!
Contudo o mistério, a aventura e o fantástico são formas que o autor usa para especular sobre a morte e o desejo de imortalidade a qualquer preço, sobre o isolamento e anonimato quando nos tornamos invisíveis perante o outro e sobre a tecnologia que aliena o homem.
Casares não deixa também de fazer uma citação importante: o título original é La invención de Morel, que nos remete ao romance A Ilha do Dr. Moreau, de H. G. Wells, onde um outro fugitivo depara-se com um mistério e vive o mesmo tipo de isolamento que o personagem de A Máquina Fantástica, revelando uma das fontes que lhe serviu de inspiração.
O Prólogo de Jorge Luiz Borges, além de nos apresentar Casares e sua narrativa (que Borges faz habilmente, sem dar spoilers) é quase um manifesto a favor da literatura de gênero. Citando Robert Luis Stevenson que em 1882 queixou-se de que os leitores ingleses desdenhavam as peripécias em favor de “argumentos atrofiados”. Borges diz ser esta a realidade em 1925 e ainda em 1940 (ano da edição argentina de La invención de Morel). E, para nós autores de FC & Fantasia, em 2011 também.
Vale destacar o seguinte trecho, que creio ser de concordância dos leitores e autores de FC & Fantasia:
“A novela característica, ‘psicológica’, tende a ser informe. Os russos e seus discípulos demonstram em demasia que ninguém é impossível (...). Esta liberdade plena acaba equivalendo à desordem mais completa. Por outro lado, a novela ‘psicológica’ quer ser também ‘realista’: prefere que esqueçamos o seu caráter de artifício verbal e faz de toda vã precisão (ou de toda lânguida imprecisão) um novo toque verossímil.(...) A novela de aventuras, em contrapartida, não pretende ser uma transcrição da realidade: é um objeto artificial, que não sofre nenhuma parte injustiçada.”
Em outras palavras, a literatura de gênero é mais honesta, pois não pretende ser realista, já que todo texto ficcional (realista ou fantástico) passa por um processo imaginativo.
Infelizmente, Alvaro, é como você disse. Ainda hoje os leeitores desdenham "as peripécias em favor de 'argumentos atrofiados'".
ResponderExcluirÉ interessante tambbéem notar que nossa cultura de tradução não só em filmes é grande pecadora quando se trata de traduzir nomes de obras e de filmes.
Tenho esse livro, exatamente essa capa, e agora que li a resenha, já pulou para o próximo da lista.
Grande abraço.
Até!
Eu ouvi uma história sobre uma ilha desabitada que se apresentava deserta a menos das sextas feiras quando parecia que a ilha nunca fora abandonada. Todos os habitantes eram almas que vagavam entre este mundo e o outro. Mas isto não está num livro é uma história de tradição oral.
ResponderExcluirAlvaro,
ResponderExcluirquem está certo, afinal ?
Todos e ninguém, Celamar. O que não pode haver, na minha opinião é marginalização da literatura fantástica. Deve-se entender que ao produzir ficção ou mesmo algum livro das ciências humanas estamos usando o imaginário como guia, por mais "realista" que a obra seja.
ResponderExcluirPor outro lado, uma obra de fantasia reflete o universo do autor, portanto é realista por mais imaginária que seja.