terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Tupi or not Tupi. Esta não é questão.


Tupi or not Tupi. Esta não é questão.

Recentemente voltou a cena o Manifesto Antropofágico da Ficção Científica Brasileira, de Ivan Carlos Regina, pela mão de Tibor Moritz, que levantou a bola, e deixou o pessoal fazer algumas embaixadas. Porém a bola caiu no chão e pingou, pingou e Bráulio Tavares deu outro chute levantando um novamente a bola, que nos pés de Roberto Causo e do próprio Moritz voltou a pingar no meio do fandom.

Eu estou vendo a bola vir em minha direção e resolvi arriscar um chute ou uma cabeçada e não espero atingir o gol, pois péssimo jogador de futebol, nem sei onde ele está. Aliás, parece que ainda ninguém sabe, mas o importante é que a bola continue no ar a espera de que alguém saiba onde está o gol ou construa um.

Para iniciar a minha reflexão sobre o assunto antes de colocar a bola novamente em campo partiu dos textos já citados, dos Manifesto da Poesia Pau Brasil e Manifesto Antropofágico de Oswald de Andrade, do Triste fim de Policarpo Quaresma de Lima Barreto, de minhas leituras de FC & F e outros gêneros de todos os cantos do mundo e da Opera Madame Butterfly sob a ótica de Katsuhiro Otomo, no curta Magnetic Rose presente do DVD Memories.

Alguém poderia estar perguntando, por que Madame Butterfly? Afinal não estamos falando de literatura brasileira de Ficção Científica?

Eu pergunto: quando pensa em madame Butterfly, qual o primeiro país que aflora a mente? Japão!  Só que ela é uma opera italiana (escrita por Puccini) que se apropria de alguns elementos culturais japoneses e de um momento histórico, onde ocorria justamente a dominação econômica e cultural americana nas terras nipônicas.


E o que fez Katsuhiro Otomo? Criou uma história onde uma nave especial com uma tripulação multinacional (não há um japonês sequer) segue um sinal de SOS que é justamente uma ária de Madame Butterfly. O destino é um grupo de asteróides com um perigoso campo magnético, Sargasso, nome de um mar onde na ficção é palco de naufrágios misteriosos.

Mesmo sem ver o filme, só por esta sinopse percebe-se que o local é uma armadilha. A atração magnética, a atração física por uma mulher, a atração por uma cultura diferente, a busca do lucro fácil e a ilusão de que se pode viver através das memórias compõe o quadro dramático do curta.

Apesar de todas as referencias não serem japonesas, sentimos que estamos diante de uma obra genuinamente japonesa. Por quê? Talvez pela forma? O tipo de narrativa? Ou o aprendizado de mais de um século que tivemos de ver Madame Butterfly como uma referência ao Japão?

Já em o Triste fim de Policarpo Quaresma, Lima Barreto coloca um personagem patético que tenta sozinho salvar o país através de três projetos: um linguístico, um econômico e um político.

Nos interessa o linguístico, já que estamos envolvidos no uso da linguagem como forma de expressão. Quaresma é menosprezado primeiro por querer estudar violão, depois por estudar sem ter formação acadêmica e, por fim querer adotar uma visão nacionalista extrema, ao propor o uso do tupi como língua oficial.

Este é o perigo que temos que evitar. Até onde deve ir nossa busca do nacionalismo? Enfiar um índio numa história de FC fará meu texto ser mais brasileiro?

Eu particularmente penso que somos estrangeiros nesta terra. Nossas origens são européias e se queremos colocar elementos indígenas em nossas histórias temos que fazer um mergulho em suas tradições e crenças, criar uma boa história (um bom exemplo é o herói Tajarê, de Roberto Causo) e... lidar com uma possível rejeição do publico leitor.

Agora, vamos ao texto base, o Manifesto Antropofágico de Ficção Científica Brasileira:

“Precisamos deglutir urgentemente, após o Bispo Sardinha, a pistola de raios laser, o cientista maluco, o alienígena bonzinho, o herói invencível, a dobra espacial, o alienígena mauzinho, a mocinha com pernas perfeitas e cérebro de noz, o disco voador, que estão tão distantes da realidade brasileira quanto a mais longínqua das estrelas.

A ficção científica brasileira não existe.

A cópia do modelo estrangeiro cria crianças de olhos arregalados, velhinhos tarados por livros, escritores sem leitores, homens neuróticos, literaturas escapistas, absurdos livros que se resumem as capas e pobreza mental, colônias intelectuais, que procuram, num grotesco imitar, recriar o modus vivendi dos paises tecnologicamente desenvolvidos.”

O que seria este deglutir? Me vem a imagem de sandálias de dedo feitas a partir de garrafas pet. O Cacique Raoni de óculos e beiço de botocudo. Ou o Visconde de Sabugosa, com um laboratório de faz-de-conta. Alias Monteiro Lobato, apesar de não ter aderido ao movimento, é mestre nisto: seus livros infantis têm Saci e Peter Pan, Cuca e Gato Felix, onça e Tom Mix (caubói do cinema mudo). O sítio não vai ao universo, o universo vem ao sítio.

Me vem novamente a imagem de Madame Butterfly, mastigada e cuspida por Katsuhiro Otomo em forma de destroços.

Temos celulares de ultima geração, mas eles nos são roubados nos ônibus apertados. O saci fuma uma pedra de crack em seu cachimbo, acendendo-a com um isqueiro Zipo. A pesquisa é interrompida porque a verba foi desviada pra fazer um jardim na casa do ministro. É esta realidade que não é retratada, segundo Ivan Carlos Regina.

Por fim o próprio texto de Oswald de Andrade nos dá um tema pra uma boa obra de ficção especulativa, se alguém se dispuser a escrevê-la:

“Queremos a Revolução Caraíba. Maior que a revolução Francesa. A unificação de todas as revoltas eficazes na direção do homem. Sem nós a Europa não teria sequer a sua pobre declaração dos direitos do homem.”

Infelizmente o que restou dos Caraíbas está prestes a ser inundado pela usina de Belo Monte.

4 comentários:

  1. Oi,
    Bem, fora o fato de que quando me falam Madame Butterfly eu penso primeiro em "Inglaterra", depois em Broadway, e depois que vou me lembrar que é um musical que fala do Japão (e eu realmente não sabia que era feito por italianos)...

    Acho que a solução para isso tudo é simplesmente escrever. E sei lá se tem tanta rejeição do leitor assim, um dos meus contos do qual tive mais feedback foi o "A seu serviço senhor", ambientado em fantasia histórica brasileira, cheio de sacis, umbanda e coisas assim, outro que tive bastante retorno foi o "Boi da Cara Preta", também de fantasia brasileira,só que urbana. A maioria dos meus contos e livros publicados se passa em Sampa, e eu tento retratar uma Sampa realista mesmo que o conto em si seja de fantasia. Para quase todos eles, já tive retorno de leitores... mas para os contos publicados que se passam na mesmice de mundos inventados,que parecem mais com algo estrangeiro... bem, dos que foram publicados assim, nunca tive retorno.

    Falando de outros autores...a Kaori da Giulia Moon é fantástica, mas sem o contraste entre a ambientação do Japão e a de Sampa, seria tão legal? Imagine se a Kaori estivesse em Los Angeles ao invés de Sampa no presente, qual seria a graça? E se a Lucila da Martha não matasse gente em São Paulo? Eu não gostei do Os Sete do André Vianco, mas um dos meus maiores problemas com o livro foi o "gosto de estrangeiro", a polícia trabalhando como polícia de seriado americano, bomba atômica no Brasil, que é isso? Mas amigos meus que gostaram me citam sempre os elementos brasileiros, tem um que fala que amou o livro porque cita a universidade dele. Estou citando autores que fazem sucesso para mostrar o ponto central: leitores gostam de livros ambientados no Brasil, essa história de fugir disso porque eles não vão gostar não faz sentido. Se eu quero ler ficção científica angla, eu compro um livro americano ou inglês. Se estou comprando um livro de um brasileiro, eu QUERO tempero brasiliano na história. Quem não quer é o povo que já não compra livro de brasileiro porque tem preconceito.

    ResponderExcluir
  2. Perfeito Mariana. Gostei de sua argumentação e posicionamento.

    ResponderExcluir
  3. Belíssimo texto. Policarpo Quaresma padeceria de depressão profunda se vivesse hoje...

    ResponderExcluir
  4. Seu pensamento coincide muito com o meu. O nacionalismo não está em elementos postiços, mas em algo mais profundo do que pôr um índio de protagonista. Não adianta você dizer que ele É um índio se ele não o for, de fato. Personagens e cenários precisam de raízes, e nenhuma raiz é melhor que a nossa própria. E quando falo "nossa, própria" eu não estou falando de uma raiz brasileira idealizada, mas da raiz que reside dentro de cada um de nós, formada por nossa experiência direta de vida, nossos defeitos e qualidades.

    Muitas vezes eu critico os que escrevem uma ficção servil, mas não pela presença de elementos estrangeiros: eles são inevitáveis. Critico essa ficção por ser postiça e sem raiz. É tão ridículo enfiar um índio numa nave espacial achando que está abrasileirando o conto quanto é ridículo chamar um personagem de Johnny e botá-lo morando em Londres sem nem saber a distância do Hyde Park a Trafalgar Square (não, eu não sei, mas meus personagens não se chamam Johnny e nem vivem em Londres).

    Se a sua língua é português, mas a sua experiência de vida lhe capacita para escrever sobre Londres, Moscou, Carapicuíba ou Calcutá, faça isso sem medo.

    Mas eu não acho que uma "pesquisa cuidadosa" substitua essa vivência direta. Escrever ficção não é como escrever monografias.

    Então, se vamos acatar o elemento estrangeiro, ele tem que se dobrado segundo o nosso olhar. Não podemos almejar uma identificação com o estrangeiro. Não somos idênticos, e tal identificação é um empobrecimento. A arte deve produzir diálogo, não supressão de uma voz pela hegemonia de outra.

    ResponderExcluir